Por Anna Paula Oliveira Schiavo
Anatomia da pelve feminina
A cavidade pélvica é o conjunto de todos os ossos, órgãos, músculos e ligamentos que auxiliam na funcionalidade pélvica. O sistema esquelético tem a função de proteger os órgãos internos, distribuir melhor o peso do tronco e dos membros superiores e serve como suporte para a fixação de alguns músculos. Esse compartimento é limitado anteroinferiormente pelos corpos e ramos do púbis e pela sínfise púbica, lateralmente pelos ossos do quadril direito e esquerdo e posteriormente por uma parede óssea na linha mediana, formada pelo sacro e cóccix. A pelve pode ser divida em maior, onde estão localizadas as vísceras abdominais e a pelve menor, onde se encontram a bexiga, uretra, vagina e o reto. Assim, a organização dos órgãos na cavidade pélvica é mantida pela ação concomitante dá fáscia, dos ligamentos e dos músculos.
Órgãos da cavidade pélvica
Bexiga:
É um órgão oco com fortes paredes musculares, servindo como um reservatório temporário de urina. Quando está vazia (no adulto), fica localizada na pelve menor, situando posterior e superiormente aos ossos púbicos. Fica apoiada sobre o púbis e a sínfise púbica anteriormente e sobre a parede anterior da vagina posteriormente. Com isso, a fixação lateral da vagina no arco tendíneo da fáscia da pelve é um fator indireto, mas essencial na sustentação da bexiga. Esse órgão pode ser dividido em 3 partes: ápice, fundo e corpo da bexiga. A primeira aponta para a margem superior da sínfise púbica, a segunda é o oposto, sendo constituída pela parede posterior e a terceira é a parte principal, ficando entre o ápice e o fundo. Suas paredes são formadas pelo músculo detrusor, o qual possui fibras com certa disposição que possibilitam a capacidade de distensão de maneira concêntrica. Outra estrutura importante é o trígono da bexiga, uma área triangular com os seguintes vértices: dois óstios uretéricos e um óstio interno da uretra.
Uretra:
A uretra feminina possui aproximadamente 4 cm de comprimento e 6 mm de diâmetro, sendo um órgão tubular desde o óstio interno da uretra até o seu óstio externo. Localiza-se anteriormente a vagina, seguindo com ela através do diafragma da pelve, músculo esfíncter externo da uretra e membrana do períneo. A sua camada interna possui tecido muscular liso, já a mais externa é formada por músculo estriado, cujas fibras têm formas circulares ao redor da uretra. Desse modo, observa-se uma constrição, formando um esfíncter que permite o controle voluntário da continência urinária.
Vagina:
É um canal musculomembranáceo distensível com cerca de 7 a 10 cm de comprimento. Vai desde o colo do útero até o óstio da vagina, abrindo-se no vestíbulo da vagina, junto com o óstio externo da uretra e os ductos da glândula vestibular maior e menor. Está localizada anteriormente ao reto, posteriormente à bexiga e uretra e lateralmente estão o músculo levantador do ânus, fáscia visceral da pelve e os ureteres. Além disso, existem 4 músculos que comprimem a vagina, agindo como esfíncteres: músculo pubovaginal, esfíncter externo da uretra, esfíncter uretrovaginal e bulboesponjoso. Serve como canal para a menstruação, parte inferior do canal do parto normal e para receber o pênis e o ejaculado na relação sexual.
Reto:
É a parte pélvica do trato digestório, sendo a continuação do colo sigmoide e prévio ao canal anal. Apesar do nome, o órgão é caracterizado por várias flexuras: flexura sacral do reto, flexura anorretal do canal do reto e as flexuras laterais do reto. A segunda flexura é importante para o mecanismo de continência fecal, pois ela é mantida durante o repouso através do tônus do músculo puborretal e pela contração ativa durante as contrações peristálticas nos períodos inadequados para a defecação. A parte terminal do reto é dilatada, ficando diretamente superior ao diafragma da pelve e corpo anococcígeo. Assim, é nessa parte que a massa fecal é retida, ficando acumulada e sendo expelida no momento da defecação. Além disso, a capacidade de relaxamento dessa ampola para guardar o material fecal é importante para manter a continência fecal. Na mulheres o reto está na posição posterior a vagina e é separado dela através da escavação retouterina.
Estruturas de Suporte do Pavimento Pélvico
O pavimento pélvico é um conjunto de estruturas, como músculos, ligamentos e fáscias, que suportam e mantêm na posição anatômica os órgãos pélvicos e os abdominais através de certas disposições e ao empurrar os órgãos em direção contrária à força da gravidade ou a uma pressão intra-abdominal que posso surgir. Ele fica localizado no limite inferior da cavidade pélvica e no limite superior do períneo, indo do púbis ao cóccix. Ademais, através dele passam 3 estruturas: uretra, vagina e reto. Com isso, a sua contração tem como finalidade contribuir para a continência urinária e fecal e na função sexual.
Assoalho pélvico:
É constituído pelo diafragma da pelve, que consiste nos músculos coccígeo e levantador do ânus e nas fáscias que revestem a parte inferior e superior desses músculos.
O músculo levantador do ânus (LA) é a parte maior e mais importante do assoalho pélvico. Ele possui uma simetria bilateral e é dividido em 3 partes que geralmente são mal demarcadas, mas denominadas a partir de suas fixações e trajetos das fibras: músculo puborretal, puboccocígeo e iliococcígeo. O primeiro forma uma alça muscular em formato de “U” que passa posteriormente à junção anorretal e forma o hiato urogenital (dá passagem para a uretra e a vagina). O segundo é a parte intermediária e mais larga e formam a rafe fibrosa, parte do ligamento anococcígeo entre o ânus e o cóccix. Além disso, possui alças musculares mais curtas que se fundem à fáscia perto de estruturas medianas que são denominadas de acordo com a proximidade de seu término: pubovaginais, puboperineal e puboanal. Já o terceiro músculo é a parte posterolateral do levantador do ânus, sendo pouco desenvolvido e também fundido ao ligamento anococcígeo.
Esse músculo é importante para sustentar as vísceras pélvicas e abdominais. Durante a maior parte do tempo, encontra-se em contração tônica, ajudando no suporte e a manter a continência urinária e fecal. Além disso, é necessária uma contração ativa desse músculo em momentos de aumento de pressão, como na expiração forçada, espirro, tosse e vômito.
Já o músculo coccígeo está localizado no mesmo plano, mas superiormente ao LA. Ele intervém na flexão do cóccix, deslocando-o para frente após a evacuação ou o parto e auxilia o LA na sustentação das vísceras.
Membrana do períneo:
Essa membrana cobre o trígono urogenital, sendo ela uma lâmina fina de fáscia profunda e resistente, indo desde os dois lados do arco púbico até a parte anterior da abertura inferior da pelve. Com isso, ela está localizada na abertura anterior no diafragma da pelve, mas especificamente no hiato urogenital, sendo perfurada pela uretra e pela vagina.
Corpo do períneo:
É o ponto central do períneo, isto é, o ponto médio da linha que une os túberes isquiáticos. Ademais, é uma massa irregular constituída pelas fibras colágenas e elásticas, músculo esquelético e liso. Localiza-se profundamente à pele, posteriormente ao vestíbulo da vagina e anteriormente ao ânus e canal anal. É também o local de convergência das fibras de alguns músculos: bulboesponjoso, esfíncter externo do ânus, transverso superficial e profundo do períneo e partes lisas e esqueléticas do esfíncter externo da uretra, LA e túnicas do reto.
Tecidos Conjuntivos:
São tecidos do pavimento pélvico que tem como finalidade manter a estabilidade desse compartimento. Geralmente, são componentes fibrosos que contém fibroblastos, colágeno, elastina, células de músculo liso e estruturas vasculares. São classificados em 3 níveis de suporte: apical, médio vaginal e distal. Com isso, pode-se ter uma ideia de onde é a falha de acordo com o prolapso visto clinicamente.
A fáscia endopélvica é uma grande quantidade de tecido conjuntivo localizada entre as fáscias membranáceas parietal e visceral, a qual acondiciona e suporta as vísceras pélvicas. É constituída por tecido adiposo, isto é, extremamente frouxo, desprovido de grande vascularização ou vasos linfáticos, servindo para acomodar a expansão da bexiga e da ampola retal quando estão cheios. Além disso, existem partes em que a consistência endopélvica é muito mais fibrosa, contendo muito colágeno, fibras elásticas e musculares lisas. Com isso, elas são chamadas de ligamentos pélvicos e possuem nervos, vasos sanguíneos e músculo liso. De acordo com pesquisas, existem ligamentos* que se destacam devido à importância que têm na participação ativa do suporte dado às vísceras pélvicas, sendo que a ausência dessa funcionalidade pode causar disfunções e patologias.
Prolapso dos órgãos pélvicos (POP)
Está patologia se refere à protusão (total ou parcial) ou herniação de um ou mais órgãos pélvicos através da vagina ou por debaixo dela. Isso acontece devido à má funcionalidade, como um enfraquecimento dos músculos, ligamentos e fáscias, os quais mantêm os órgãos nas posições anatômicas devidas quando funcionais.
Alguns dos sintomas comuns incluem uma sensação de “peso” na vagina ou no dorso do corpo ou de incômodo no interior ou fora da vagina; sintomas urinários, como oligúria, jato lento, polaciúria e enurese ao esforço; sintomas intestinais, como sensação de não ter evacuado completamente ou de ter que pressionar a parede vaginal para a evacuação completa; e desconforto durante a relação sexual.
As principais causas do POP são as lesões de ligamentos, músculos ou nervos que fornecem o suporte adequado aos órgãos pélvicos. No entanto, existem alguns fatores de risco, como:
- Gestação e parto (principalmente o normal), pois a passagem do feto provoca alterações no assoalho pélvico. Isso acontece quando a cabeça do feto se insinua no estreito da pélvis, o que gera ruturas, como na linha média e nas laterais, nos músculos que sustentam os órgãos da cavidade pélvica, causando o enfraquecimento da vagina e dos apoios de sustentação. Com isso, quanto maior o número de gravidezes e partos, maior a chance de ocorrer esse fenômeno. O sintoma pode se manifestar durante, logo após a gestação ou depois de muitos anos;
- Cirurgia de histerectomia prévia;
- Envelhecimento e menopausa, pois podem aumentar o enfraquecimento dos componentes do assoalho pélvico;
- Situações que aumentam a pressão sobre o assoalho pélvico, como a obesidade (aumenta 1,5 vezes o risco de prolapso uterino), tosse e constipação crônicas, trabalho pesado e esforço contínuo;
- Risco herdado devido a problemas genéticos, como aqueles que afetam a qualidade e a funcionalidade do colágeno, que são fundamentais para manter a função dos tecidos conjuntivos de suporte ou até mesmo doenças neurológicas ou musculares que retardam a condução do estímulo nervoso na musculatura do assoalho pélvico, causando flacidez nessa estrutura.
O diagnóstico é feito no exame de rotina, em posição ginecológica e em pé. Entretanto, alguns exames podem ser complementares e ajudar a esclarecer melhor o problema patológico, principalmente quando há recidiva. Alguns exemplos são a ressonância magnética, ecografia, estudos urodinâmicos, testes de avaliação do tônus muscular e cistouretroscopia. O prolapso pode ocorrer de várias maneiras, podendo ser divido em prolapso do compartimento anterior (parede anterior da vagina), compartimento posterior (parede posterior da vagina) ou no compartimento apical (útero e topo da vagina). Algumas mulheres podem apresentar prolapso em mais de um compartimento ao mesmo tempo.
A gravidade clínica é variável, sendo que muitas mulheres, cerca de 40%, apresentam um pequeno ou mínimo prolapso, mas com pouco ou nenhum sintoma. Com isso, é necessária uma boa anamnese para entender o quanto esse prolapso afeta a vida da paciente. É importante fazer perguntas como “Isso atrapalha você fazer suas atividades diárias?”, “Como está as relações sexuais?”, “Sente incômodo em repouso?”, “Afeta os hábitos intestinais ou urinários?”. Além disso, existe outro meio para poder classificar o prolapso, analisando-se o grau de descida das estruturas, o que pode indicar a gravidade da situação:
O tratamento pode ser não cirúrgico ou cirúrgico em, aproximadamente, 11% das mulheres. Com isso, o primeiro passo é conversar com a paciente, informar sobre sua patologia e sobre suas opções a fim de chegar a um consenso sobre o melhor tratamento. As alternativas são as seguintes:
- É comum que algumas pacientes não tenham sintomas e nem apresentem desconforto, por isso, é possível ficar sem tratamento e não correr riscos de saúde. Assim, é preciso instruir para que ela evite trabalho pesado, esforços crônicos, aumento de peso e trate constipações e tosses crônicas a fim de evitar o agravamento do prolapso.
- Existem pessários que são dispositivos vaginais (de várias formas e tamanhos) feitos com a finalidade de proporcionar suporte mecânico aos órgãos prolapsados, aliviando os sintomas. Eles precisam ser ajustados pelos profissionais de saúde e é necessário testar os dispositivos para se chegar ao melhor modelo para a paciente. Esse caminho é indicado para aquelas que não querem fazer a cirurgia, não estão com a família completa ou para adiar/esperar até a cirurgia.
- Há também exercícios para o assoalho pélvico a fim de fortalecer seus músculos, ajudando a melhorar ou prevenir a piora (nos estágios iniciais do prolapso). No entanto, estes precisam de tempo, motivação e técnica adequada.
- A cirurgia é recomendada em alguns casos, sendo que o (a) médico (a) responsável indicará qual método é o mais indicado de acordo com as características de cada paciente, como idade, histórias pregressa de outras cirurgias, gravidade do prolapso e o estado geral de saúde. Assim, o procedimento visa reconstruir a cavidade pélvica ao reposicionar os órgãos nos lugares anatômicos fisiológicos e reforçar a musculatura pélvica.
Existem diferentes técnicas cirúrgicas, podendo ter abordagem vaginal, abdominal, laparoscopia e até mesmo robótica. A técnica atual consiste em utilizar telas feitas de material sintético que recobrem todo o assoalho pélvico com a finalidade de fortalecer a região, principalmente onde os músculos estão menos funcionais, e os orifícios urogenital e retal. Dessa maneira, o índice de sucesso dessas cirurgias é de 90%, o que é muito satisfatório se comparado com os resultados obtidos pela cirurgia clássica – que consiste apenas em suturar os músculos para manterem eles unidos, que é de 40%. Ademais, antes a recidiva era em torno de 60% dos casos, abaixando para 10% com a nova tecnologia.
Em síntese, o prolapso dos órgãos pélvicos tem tratamento e, por isso, é necessário o reconhecimento da patologia o mais breve possível. Assim, é importante recomendar a ida periódica ao ginecologista para que a saúde da mulher não fique comprometida. Além disso, esse é um problema que traz constrangimento para a mulher, pois são obrigadas, muitas vezes, a reduzir ou extinguir a atividade física, sexual, social e profissional. Desse modo, um bom profissional de saúde e acompanhamento é fundamental para o tratamento dessa patologia, trazendo menos impactos negativos à vida da paciente.
Referências Bibliográficas
SILVA, Ana Rita. Estudo Biomecânico da cavidade pélvica da Mulher. 2012. 32 f. Monografia (Especialização) - Curso de Engenharia Biomédica, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Porto, Portugal, 2012. Disponível em: <https://paginas.fe.up.pt/~bio07021/images/Mono.pdf>. Acesso em: 13 set. 2018.
MOORE, Keith L. Anatomia orientada para a clínica. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014.
IUGA Office, Pelvic Organ Prolapse - https://www.iuga.org/
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