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Ressecção Hepática

Atualizado: 13 de abr. de 2021

Por Liv Maria Caetano Costa, acadêmica de medicina da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG.


O estudo da ressecção hepática perpassa pela compreensão da anatomia do órgão, dos tipos de procedimentos realizados, das indicações para realização da cirurgia e por fim, das técnicas empregadas.


ANATOMIA HEPÁTICA


O sucesso das cirurgias de ressecção hepática é determinado, em grande parte, pelo conhecimento da divisão funcional do fígado. Nesse âmbito, é importante destacar o trabalho de Claude Couinaud, cirurgião francês que foi pioneiro na segmentação do órgão em 8 lobos:



Fonte: adaptado de Couinaud, 1954 (1).


Atualmente, a divisão funcional baseia-se nos ramos da tríade portal, composta pela veia porta, artéria hepática e ducto biliar. Na face visceral, a divisão em fígados direito e esquerdo se dá pela fissura sagital direita, que cursa no sulco formado pela fossa da vesícula biliar e pelo sulco da veia cava inferior. Na face diafragmática, essa divisão é realizada pela linha imaginária de Cantlie. Os fígados direito e esquerdo são vascularizados pelos ramos direito e esquerdo dos constituintes da tríade portal. (2)


O fígado direto é subdividido verticalmente pela fissura portal direita, que não tem demarcação externa. Já o fígado esquerdo é subdividido pela fissura umbilical, onde cursam o ligamento venoso e o ligamento redondo. Nas fissuras portal direita e umbilical, localizam-se as veias hepáticas direita e esquerda, respectivamente. (2)


Horizontalmente, a segmentação é feita pelo plano hepático transverso, a partir do qual são delimitados os lobos VII, VI, VIII, V, II e III. A região localizada entre a fissura umbilical e a fissura sagital direita constitui o lobo IV em sua face diafragmática e o lobo caudado - lobo I - em sua face visceral. Vale ressaltar que o lobo caudado recebe ramos das divisões direita e esquerda da tríade portal e mantém relação próxima com a veia cava inferior. (2)



Fonte: Moore, 1992.


TIPOS DE RESSECÇÃO HEPÁTICA


O nome dos procedimentos cirúrgicos é atribuído conforme os lobos hepáticos que serão removidos, de modo que as ressecções podem ocorrer na divisão primária, secundária e terciária dos constituintes da tríade portal. Convencionou-se adotar a seguinte nomenclatura, sendo necessário especificar quando o lobo I for removido:


1. Divisão primária da tríade portal:

Fonte: Adaptado de Pang, 2000.


2. Divisão secundária da tríade portal:

Fonte: Adaptado de Pang, 2000.


3. Divisão terciária da tríade portal:

Fonte: Adaptado de Pang, 2000.


INDICAÇÕES DA CIRURGIA HEPÁTICA


Analisando-se resultados de dois centros, um brasileiro e outro chinês, concluiu-se que a maior causa de hepatectomia foi carcinoma hepatocelular (CHC), seguida de metástases hepáticas advindas de câncer colorretal. Em terceiro lugar, figuram neoplasias benignas. Em relação ao tipo de procedimento, predominaram as segmentectomias e bissegmentectomias. (4,5)

A ressecção hepática pode ser realizada por via laparoscópica, aberta ou assistida por robótica, sendo esta última limitada a poucos centros no Brasil. A via laparoscópica oferece algumas vantagens como menor risco de complicações e menor tempo de internação (6). Está indicada para lesões solitárias localizadas nos lobos hepáticos de II a VI, desde que tenham no máximo 5 cm de diâmetro. Vale ressaltar que a realização de ressecções maiores, como hepatectomias direita ou esquerda, deve ser reservada à cirurgiões mais experientes (7).


A ressecção hepática em pacientes com carcinoma hepatocelular é curativa e terapia de escolha em caso de neoplasia em estágio inicial, ou seja, pacientes Child A (função hepática preservada), sem sinais de hipertensão portal. Por outro lado, para pacientes cirróticos Child B ou C, portadores de hipertensão portal ou de lesões nos lobos direito e esquerdo, é indicado transplante hepático, desde que se trate de tumor único de até 5 cm ou de até 3 tumores com ≤ 3 cm de diâmetro cada. Além disso, conforme os critérios de Milão, a presença de invasão vascular e de metástases contraindica o transplante (8).

Sobre as outras propostas terapêuticas, a ablação por radiofrequência (RFA) é indicada para pacientes portadores de até 3 nódulos com ≤ 3 cm cada. O objetivo dessa terapia de caráter curativo é induzir lesão térmica às células neoplásicas sem comprometer o parênquima adjacente. Além disso, pode contribuir para evitar a exclusão do paciente da fila de transplante enquanto aguarda o órgão, já que limita o crescimento tumoral (9).


Já a quimioembolização arterial transcateter (TACE) é indicada para prolongar a sobrevida de pacientes com neoplasia intermediária sem trombose tumoral da veia porta, cujas dimensões tumorais não respeitem os critérios de Milão. Trata-se de um procedimento em que são injetados agentes quimioterápicos e embólicos nas artérias responsáveis pela nutrição da neoplasia para promover isquemia da lesão.


O tratamento com Sorafenibe, fármaco inibidor de múltiplas quinases e administrado por via oral, é o único agente sistêmico recomendado para CHC avançado, com metástases linfonodais e à distância.


Fonte: Divella, 2015.


Já em pacientes com metástases hepáticas em decorrência de carcinoma colorretal, a ressecção é a única terapia potencialmente curativa, e deve permitir retirada completa do tumor com margens livres. Ademais, o parênquima hepático remanescente deve ser superior a 20% em pacientes não-cirróticos e superior a 30% em portadores com cirrose (10).


Em relação a tumores hepáticos benignos, a abordagem varia conforme o tipo de neoplasia:

• Hemangiomas devem ser tratados de modo conservador na maioria dos casos (11);

• Na hiperplasia nodular focal, a ressecção tem pouca importância, visto que há pouco risco de complicações e de crescimento da lesão (12);

• Recomenda-se a ressecção de todos os adenomas em indivíduos do sexo masculino, já que há alto risco de malignização. Nos indivíduos do sexo feminino, deve-se inicialmente sugerir mudanças do estilo de vida baseadas no controle do peso corporal e na interrupção de anticoncepcionais orais. Em caso de lesão de ≤5 cm, deve-se realizar ressonância magnética contrastada para acompanhamento das dimensões da lesão. Sendo observado aumento ≥ 20% de diâmetro, a ressecção é o tratamento sugerido. Em caso de adenoma > 5 cm, sugere-se a remoção cirúrgica, no entanto, o tratamento conservador com acompanhamento regular e recomendação de alterações nos hábitos de vida também é uma conduta possível (12).


TÉCNICA CIRÚRGICA


Videolaparoscopia


O paciente é colocado na posição de Trendelenburg reversa com as pernas abertas, sendo que o cirurgião principal posiciona-se entre as pernas do paciente e os cirurgiões assistentes permanecem em lados opostos da maca (4). Mantem-se uma baixa pressão venosa central, <5 mmHg, uma vez que uma das principais causas de morbidade perioperatória é a perda sanguínea, além de haver a criação de pneumoperitônio.


São utilizados um número variável de trocartes:

  • Um laparoscópio de 12 mm na região umbilical, que transmite as imagens;

  • Um trocarte de 12 mm que permite aplicação de clips e de grampos, realização de ultrassom e tem função de eletrocautério;

  • Um trocarte de 5 mm para sucção e apreensão;

  • Um ou dois trocartes adicionais conforme o a extensão da ressecção.

Fonte: Clinical Practice Guidelines: Management of hepatocellular carcinoma, 2018.


A ressecção começa pela mobilização do segmento a ser removido, com a secção dos ligamentos triangulares, liberação do órgão do diafragma e, ocasionalmente, da veia cava inferior. Em seguida, realiza-se a dissecção da veia porta, da artéria hepática e da veia hepática, ligadura desses vasos e secção do lobo que será dissecado. A ligadura é realizada por meio de grampeadores vasculares ou de sutura manual, sendo que a secção do ducto biliar deve ser realizada no parênquima hepático para reduzir o risco de lesões biliares contralaterais. Em caso de hemorragia grave, uma estratégia é aumentar a pressão do pneumoperitônio ou realizar a manobra de Pringle, em que os vasos de influxo, ou seja, aqueles cujo fluxo direciona-se para o fígado, são clampeados na região do ligamento hepatoduodenal (13).

Manobra de Pringle. Fonte: Cothren, 2008.


Na imagem, trata-se de uma hepatectomia direita. Em A: dissecção do ramo direito da veia porta (RPV) e da artéria hepática (RHA). A secção da veia hepática é sempre realizada em área extra-hepática. Em B: clampeamento do ducto biliar direito (RBD). Em C: secção do parênquima hepático com exposição da veia hepática média (MHV). Em D: fechamento da veia hepática direita (RHV) com grampo vascular após secção do parênquima hepático (4).

Fonte: Chen (2019).


Cirurgia Aberta


Também é realizada em posição de Trendelenburg à 15º, com incisão que varia conforme o tipo de ressecção. É fundamental o emprego de ultrassonografia durante o procedimento para melhor localizar a lesão e suas relações anatômicas sobretudo com estruturas vasculares. Vale ressaltar que a manobra de Pringle tem lugar importante na contenção de sangramento (14). Em relação a ressecção em si, segue os mesmos passos da cirurgia laparoscópica.


Incisões que podem ser executadas na hepatectomia esquerda estendida por via aberta. Fonte: Basicmedical Key.


Referências bibliográficas:


1. Couinaud C. Lobes et segments hépatiques: notes sur l'architecture anatomiques et chirurgicale du foie. Presse Med. 1954;62:709–712.


2. MLA. Moore, Keith L. Clinically Oriented Anatomy. Baltimore :Williams & Wilkins, 1992.


3. Pang YY. The Brisbane 2000 terminology of liver anatomy and resections. HPB 2000; 2:333-39. HPB (Oxford). 2002;4(2):99-100. doi:10.1080/136518202760378489


4. Chen TH, Yang HR, Jeng LB, Hsu SC, Hsu CH, Yeh CC, Yang MD, Chen WT. Laparoscopic Liver Resection: Experience of 436 Cases in One Center. J Gastrointest Surg. 2019 Oct;23(10):1949-1956. doi: 10.1007/s11605-018-4023-3. Epub 2018 Nov 12. PMID: 30421118.


5. Zanotelli ML, Feier F, Nunes AG. Cirurgia hepática: experiência em 9 anos no hospital de clínicas de Porto Alegre. Rev HCPA 2010; 30(1): 31-5.


6. Kasai M, Cipriani F, Gayet B, Aldrighetti L, Ratti F, Sarmiento JM, Scatton O, Kim KH, Dagher I, Topal B, Primrose J, Nomi T, Fuks D, Abu Hilal M. Laparoscopic versus open major hepatectomy: a systematic review and meta-analysis of individual patient data. Surgery. 2018 May;163(5):985-995. doi: 10.1016/j.surg.2018.01.020. Epub 2018 Mar 16. PMID: 29555197.


7. Buell JF, Cherqui D, Geller DA, O'Rourke N, Iannitti D, Dagher I, Koffron AJ, Thomas M, Gayet B, Han HS, Wakabayashi G, Belli G, Kaneko H, Ker CG, Scatton O, Laurent A, Abdalla EK, Chaudhury P, Dutson E, Gamblin C, D'Angelica M, Nagorney D, Testa G, Labow D, Manas D, Poon RT, Nelson H, Martin R, Clary B, Pinson WC, Martinie J, Vauthey JN, Goldstein R, Roayaie S, Barlet D, Espat J, Abecassis M, Rees M, Fong Y, McMasters KM, Broelsch C, Busuttil R, Belghiti J, Strasberg S, Chari RS; World Consensus Conference on Laparoscopic Surgery. The international position on laparoscopic liver surgery: The Louisville Statement, 2008. Ann Surg. 2009 Nov;250(5):825-30. doi: 10.1097/sla.0b013e3181b3b2d8. PMID: 19916210.


8. Mazzaferro V, Regalia E, Doci R, Andreola S, Pulvirenti A, Bozzetti F, Montalto F, Ammatuna M, Morabito A, Gennari L. Liver transplantation for the treatment of small hepatocellular carcinomas in patients with cirrhosis. N Engl J Med. 1996 Mar 14;334(11):693-9. doi: 10.1056/NEJM199603143341104. PMID: 8594428.


9. McDermott S, Gervais DA. Radiofrequency ablation of liver tumors. Semin Intervent Radiol. 2013;30(1):49-55. doi:10.1055/s-0033-1333653


10. Akgül Ö, Çetinkaya E, Ersöz Ş, Tez M. Role of surgery in colorectal cancer liver metastases. World J Gastroenterol. 2014;20(20):6113-6122. doi:10.3748/wjg.v20.i20.6113


11. Madkhali AA, Fadel ZT, Aljiffry MM, Hassanain MM. Surgical treatment for hepatocellular carcinoma. Saudi J Gastroenterol. 2015;21(1):11-17. doi:10.4103/1319-3767.151216


12. Normas de Orientação Clínica da EASL sobre a abordagem dos tumores hepáticos benignos ✩ Associação Europeia para o Estudo do Fígado (EASL)* Journal of Hepatology 2016 vol. 65 | 386–398


13. Townsend, J. C. M., Beauchamp, R. D., Evers, B. M., & Mattox, K. L. (2016). Sabiston textbook of surgery (20th ed.). Elsevier - Health Sciences Division.


14. RODRIGUES, Túlio Felício da Cunha et al . HEPATECTOMIA ABERTA, VIDEOLAPAROSCÓPICA E ASSISTIDA POR ROBÓTICA EM RESSECÇÃO DE TUMORES HEPÁTICOS: UMA REVISÃO NÃO SISTEMÁTICA. ABCD, arq. bras. cir. dig., São Paulo , v. 30, n. 2, p. 155-160, June 2017 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-67202017000200155&lng=en&nrm=iso>. access on 03 Apr. 2021. https://doi.org/10.1590/0102-6720201700020017.


15. Divella R, Daniele A, Abbate I, Savino E, Casamassima P, Sciortino G, Simone G, Gadaleta-Caldarola G, Fazio V, Gadaleta CD, Sabbà C, Mazzocca A. Circulating Levels of PAI-1 and SERPINE1 4G/4G Polymorphism Are Predictive of Poor Prognosis in HCC Patients Undergoing TACE. Transl Oncol. 2015 Aug;8(4):273-8. doi: 10.1016/j.tranon.2015.05.002. PMID: 26310373; PMCID: PMC4562977.


16. European Association for the Study of the Liver. Electronic address: easloffice@easloffice.eu; European Association for the Study of the Liver. EASL Clinical Practice Guidelines: Management of hepatocellular carcinoma. J Hepatol. 2018 Jul;69(1):182-236. doi: 10.1016/j.jhep.2018.03.019. Epub 2018 Apr 5. Erratum in: J Hepatol. 2019 Apr;70(4):817. PMID: 29628281.



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