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Anatomia da face aplicada à reconstrução e à identificação facial

Rodrigo Joaquin Franco Carrasco Graduando do curso de Medicina, Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas gerais

I have seen a face with a thousand countenances, and a face that was but a single countenance as if held in a mould. I have seen a face whose sheen I could look through to the ugliness beneath, and a face whose sheen I had to lift to see how beautiful it was. I have seen an old face much lined with nothing, and a smooth face in which all things were graven. I know faces, because I look through the fabric my own eye weaves, and behold the reality beneath.

- “Faces”, poema de Khalil Gibran

INTRODUÇÃO A face humana, potencialmente tão variada, com bilhões, quiçá mais possibilidades, mas ainda assim, tão distintivamente humana. Ela fascina não apenas pela beleza singular de cada uma de suas inúmeras variações, mas pela sua imensa capacidade de expressar e despertar em nós emoções e sentimentos. Sem ela, é até difícil pensar em algo como verdadeiramente humano. Não é de se surpreender que ocorram tentativas de reconstrução facial a partir de crânios de milhares de anos de idade, queremos dar um rosto a esses ossos, queremos ver a pessoa que estava ali, assim como ocorre também na medicina forense, sendo um procedimento de suma importância para o prosseguimento de uma investigação ¹. Outrossim, quando uma pessoa sofre alguma forma de deformidade em seu rosto, pode ocorrer uma desestruturação psicológica traumática pelo prejuízo à autoestima, pela perda do reconhecimento próprio e das pessoas que conheciam, e às atividades básicas - como a fala, a alimentação, e até a respiração ². De qualquer forma, tais procedimentos demandam um profundo conhecimento sobre a anatomia da face: os ossos, os músculos, a gordura associada, a cartilagem, as glândulas, a pele e como todos esses componentes interagem entre si para moldar o aspecto final da face de uma pessoa, em situações normais ou em situações patológicas dos mais variados tipos.

A ANATOMIA DA FACE

📷 Fonte: “Anatomia humani corporis” - Govard Bidloo, Gérard de Lairesse (1685)

A evolução da face e das expressões faciais alcançou uma grande complexidade nos mamíferos, sendo ainda mais relevante nos primatas, especialmente nos humanos. A riqueza das expressões faciais nos humanos fez delas de tamanha importância para a convivência e interação que até mesmo os cachorros (Canis lupus familiaris), que domesticamos há milhares de anos a partir de lobos (Canis lupus), coevoluiram suas expressões faciais conosco. Especialmente por movimentos com as sobrancelhas e olhos, os cães são capazes de gerar empatia e captar a atenção dos humanos. Tal fato se deve ao desenvolvimento de alguns músculos faciais e tecido conjuntivo de modo bastante distinguível dos seus antepassados ³. No ser humano, há 43 músculos da face, 21 simétricos e 1 assimétrico; abaixo, há 14 ossos, sendo 6 simétricos e 2 assimétricos (ou até 16 ossos se seguidas outras possibilidades de classificação, com 6 simétricos e 4 assimétrico) ⁴. Outros elementos fundamentais para moldar o formato da face são: a gordura, sendo 19 os principais compartimentos de gordura na face, 9 pares e um ímpar ⁵; e as cartilagens, sendo as mais relevantes as do nariz e a da orelha. Até mesmo outros elementos mais impensáveis interferem no aspecto final da face, como as glândulas parótidas. A seguir, iremos explorar um pouco mais a fundo os elementos citados em seus aspectos anatômicos. Ossos da Face

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Fonte: Netter, Atlas de anatomia humana 7ed., retirada de Fonte: Wikipedia Commons: vista posterior dos www.netterimages.com ossos da face, com os demais ossos transparentes

São 14 os ossos que constituem a face: Mandíbula (1), maxilas (2), conchas nasais inferiores (2), vômer (1), zigomáticos (2), ossos nasais (2), lacrimais (2) e palatinos (2). Segundo algumas interpretações, podem ser incluídos o esfenóide (1) e o etmóide (1), e a maxila pode ser entendida como um único osso ⁴. Os ossos palatinos muitas vezes não estão visíveis em uma vista anterior do crânio nu, mas não se engane, não por isso deixam de ter relevância para moldar o formato da face, sendo que o desenvolvimento adequado do palato, principalmente pela sua interação com a língua, é estudado na atualidade como determinante para a estética facial na fase adulta ⁶. Tais ossos são o cerne da estrutura facial. Eles não apenas servem de inserção para dezenas de músculos faciais, mas seus processos ósseos - como a glabela, o násio, a espinha nasal anterior, o arco zigomático, o processo frontal do osso zigomático, a protuberância mentual, o ângulo da mandíbula, etc - e seus formatos propriamente ditos já são o bastante para se ter uma ideia surpreendentemente bem aproximada de como era o rosto de uma pessoa e para determinar seu sexo, sua idade e sua ancestralidade ⁷.

Músculos da Face

Os músculos da face são majoritariamente formados a partir do segundo arco faríngeo e inervados pelos ramos auriculares, temporais, zigomáticos, bucais e mandibulares do nervo facial (NC VII), que se dividem enquanto o nervo atravessa a glândula parótida. São 43 músculos e esse nervo que formam a base da estrutura da expressão facial (os únicos músculos que o NC VII inerva que não músculos da expressão facial são o estilo-hióideo, estapédio e digástrico. E os únicos músculos não inervados por ele são os da mastigação, inervados pelo nervo trigêmeo, NC V) ⁸. Os 43 músculos são 21 músculos pares - incisivo do lábio superior abaixador do lábio inferior, platisma, abaixador do ângulo da boca, abaixador do septo nasal, bucinador, masseter, estilofaríngeo, nasal (partes transversa e da asa), masseter, levantador do ângulo da boca, zigomático menor, zigomático maior, levantador do lábio superior, levantador do lábio superior e da asa do nariz, orbicular do olho (partes orbital inferior, lacrimal, palpebral e orbital superior), temporal, corrugador do supercílio, occipitofrontal e auriculares (anterior, superior e posterior)- e um músculo ímpar, o prócero ⁸.

Imagem ilustrando músculos faciais, retirada de https://anatomiafotos.wordpress.com

Todos esses músculos exercem papéis complexos na expressão facial humana, mas iremos dar destaque aos que são mais relevantes para o processo reconstrução facial:

Occipitofrontal: Originado na linha nucal superior e no processo mastóide e fixado na aponeurose epicraniana. Contraído, eleva a sobrancelha e franze a testa ⁹. É relativamente fino e não contribui muito para o formato da face então às vezes é ignorado nas reconstruções.

Temporal: Originado na fossa temporal e na fáscia temporal, passa abaixo do arco zigomático e se fixa no processo coronóide da mandíbula ⁹. É um músculo da mastigação, o mais forte da articulação temporomandibular.

Bucinador: Músculo quadrangular, com fixações nos processos alveolares da maxila e da mandíbula, na crista bucinadora e na rafe pterigomandibular. Auxilia a mastigação inchando a bochecha, sendo por isso chamado o músculo do trompetista ⁹.

Masseter: Possui duas cabeças, a superficial se origina do processo temporal do osso zigomático e do arco zigomático e se fixa no ramo da mandíbula. A cabeça profunda, muito maior e mais forte, se origina na parte medial do arco zigomático e se fixa no arco e no processo coronóide da mandíbula. O músculo é o mais forte músculo da mastigação, presente apenas em mamíferos, é coberto pela glândula parótida em sua parte posterior ⁹.

Mentual: Originado no processo mentual e fixado no tecido mole do queixo. Sua contração gera a projeção do lábio inferior, em conjunto com o orbicular da boca, faz o famigerado “biquinho” ⁹. Usado em expressões de dúvida ou desprezo 10.

Depressor do lábio inferior: Originado na linha oblíqua da mandíbula e fixado na pele do lábio inferior, com suas fibras se misturando às do orbicular da boca ⁹. Deprime o lábio inferior, gerando uma expressão de aborrecimento 10.

Orbicular da boca: É um músculo complexo, composto por várias fibras que circulam a totalidade da boca, sendo algumas delas derivadas de diversos outros músculos, outras do próprio lábio ⁹. Sua ação é a de unir e franzir os lábios, permitindo atos como beijar, assobiar, etc 10, 11.

Levantador do ângulo da boca: Originado na fossa canina, se fixa no tecido mole do ângulo da boca. Contraído, eleva o ângulo da boca medialmente ⁹. Envolvido nas expressões de sorriso e de desprezo 10.

Levantador do lábio superior: Possui fibras que se originam do processo frontal da maxila, na cartilagem alar maior e logo abaixo do forame orbital (porção zigomática). Se fixa no tecido muscular do lábio superior ⁹. Aprofunda os sulcos nasolabiais, expressando tristeza ou presunção 10.

Depressor do ângulo da boca: Origina-se na linha oblíqua da mandíbula, sendo contínuo com o platisma, e se fixa no ângulo da boca, mesclando-se com o orbicular da boca ⁹. Deprime o canto a boca, gerando uma expressão de tristeza, desgosto ou incerteza 10.

Levantador do lábio superior e da asa do nariz: Originado no processo frontal da maxila e fixado na pele da narina e do lábio superior. É o músculo com nome mais longo em qualquer animal ⁹. Abre a narina e eleva o lábio superior no ato de rosnar e de expressar raiva e desprezo 10.

ZIgomático menor e zigomático maior: O zigomático menor corresponde à porção zigomática do elevador do lábio superior, e o maior se origina do arco zigomático e se fixa no canto da boca ⁹. Dão formato à bochecha e elevam o lábio para sorrir, mas o menor pode demonstrar presunção 10.

Orbicular do olho: Se origina da parte nasal do osso frontal e do processo frontal do osso maxilar. É composto por 3 porções distintas: orbital (elipse externa, responsável por fechar os olhos com força, como quando expressamos preocupação ou risos intensos 10), palpebral (fibras concêntricas, responsável por piscar suavemente, age involuntariamente) e lacrimal (pequeno músculo que facilita o fluxo de lágrimas) ⁹.

Risório: Origina-se na fáscia acima da glândula parótida, passa superior ao músculo platisma e se insere horizontalmente no ângulo da boca ⁹. Gera um sorriso aparentemente falso, que não envolve os olhos ou a elevação do lábio 10. É um músculo exclusivo dos hominídeos, e pode estar ausente em alguns humanos ¹¹.

As imagens acima representam isoladamente músculos da facel e foram retiradas de https://www.futurelearn.com/courses/forensic-facial-reconstruction/0/steps/25674, Fonte: “Forensic facial reconstruction: Finding MIster X”, Universidade de Sheffield.

Compartimentos de gordura principais da face

Como já foi dito, o tecido adiposo é de suma importância para a aparência final da face. O conhecimento dos principais compartimentos de gordura presentes no rosto e como eles variam de acordo com etnia, sexo e idade é importante para que uma reconstrução facial seja o mais fidedigna possível. 📷 Fonte: Gierloff e Cols, adaptação. Representação de compartimentos de gordura da face

Ainda que esteja presente em toda a face, o tecido adiposo é compartimentalizado, tendo presença mais marcante nas bochechas, na região orbital e na nasolabial. Essa ideia básica já é bastante útil para realizar uma reconstrução. Agora, abordaremos brevemente alguns corpos gordurosos da face:

Compartimento de gordura nasolabial: anterior à gordura da bochecha medial, se sobrepõe à gordura da mandíbula. medial à gordura infraorbicular. O músculo zigomático maior é aderente a este compartimento ¹². Compartimento de gordura da bochecha medial: lateral à prega nasolabial. É delimitado superiormente pelo ligamento retentor orbicular e pelo compartimento orbital lateral. A gordura da mandíbula fica inferior a este compartimento de gordura ¹². Compartimento de gordura da bochecha do meio: anterior e superficial à glândula parótida. É superficial em sua porção média e em sua porção superior é aderente ao músculo zigomático maior. Uma confluência de septos ocorre neste local onde três compartimentos se encontram e forma uma densa zona aderente, na qual o ligamento zigomático foi descrito ¹². Compartimento de gordura da bochecha lateral: é o compartimento mais lateral da bochecha. Fica imediatamente superficial à glândula parótida e conecta a gordura temporal à gordura subcutânea cervical ¹².. Compartimento de gordura temporal do meio: localizados em ambos os lados da gordura da testa central. A borda inferior é o ligamento retentor orbicular e a borda lateral corresponde ao septo temporal superior ¹². Compartimento de gordura orbital inferior: camada subcutânea fina que fica imediatamente abaixo do tarso da pálpebra inferior. Seu limite inferior é o ligamento retentor orbicular ou septo malar. As extensões medial e lateral são os ângulos oculares ¹². Compartimento de gordura orbital superior: é delimitado pelo ligamento retentor orbicular à medida que percorre a órbita superior, uma estrutura circunferencial que mede as órbitas superior e inferior e se funde nos cantos dos olhos ¹². Compartimento de gordura orbital lateral: sua borda superior é o septo temporal inferior; a borda inferior é o septo superior da bochecha. Novamente, o músculo zigomático maior é aderente ¹². Compartimento de gordura da mandíbula: adere ao músculo depressor do ângulo da boca. O limite medial deste compartimento é o músculo depressor do lábio, e o limite inferior é uma fusão membranosa do músculo platisma na região do ligamento retentor mandibular ¹². Compartimento de gordura central da testa: é uma região da linha média.Possui fronteira inferior no dorso nasal. A borda lateral é um plano fascial denso, o septo temporal central ¹². Dois aspectos podem ser ressaltados sobre a gordura facial: sua distribuição é idade-dependente e seu volume diminui com o envelhecer. A diminuição da gordura infraorbital, das bochechas e da mandíbula gera prejuízo à estabilidade do sistema conexo que são os compartimentos de gordura da face, ocasionando uma migração dos compartimentos para baixo. Desse modo, a identificação da idade é importante para dar um formato adequado ao rosto que se pretende reconstruir ⁵.

Outras estruturas anatômicas

Para finalizar nosso estudo anatômico das estruturas da face humana relevantes para o processo de reconstrução facial, devemos brevemente passar pelas glândulas parótidas e pelas cartilagens. A glândula parótida é, das três glândulas salivares pares, a mais volumosa, interagindo com diversos elementos da anatomia da face, ossos, músculos, gordura, nervos, como foi explicitado acima. Localiza-se entre o ramo da mandíbula e o processo estilóide do osso temporal. A glândula pode ser sentida em ambos os lados, à frente das orelhas, ao longo da bochecha e abaixo do ângulo da mandíbula. Compreende-se que, mesmo sendo apenas uma glândula, a parótida interfere consideravelmente nas estruturas ao seu redor, e por fim, na configuração final do rosto. Outrossim, devemos citar as cartilagens presentes na face: a cartilagem auricular e as cartilagens nasais (alar maior, alar menor, alar acessória, septal e lateral)⁵. Há de se atentar ao fato de que essas cartilagens podem ser aproximadas por técnicas forenses e arqueológicas, mas com baixa precisão, já que é muito difícil determinar seu tamanho, e formato, que varia muito de modo muito impredizível.

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*As 3 imagens acima foram obtidas na Fonte: Wikimedia Common. A primeira é uma figura modificada de "An atlas of human anatomy for students and physicians" (1903), Toldt, Carl, Dalla Rosa, Alois e expõe a glândula parótida. A segunda é uma figura modificada de “Anatomy of the Human Body” (1918), Henry Gray e mostra uma cartilagem auricular isolada. A terceira é uma figura de “Sobotta's Atlas and Text-book of Human Anatomy 1906”, Dr. Johannes Sobotta e ilustra as peças de cartilagem que compõe o nariz. Por fim, terminada a análise anatômica das estruturas da face que interferem na sua feição, tem-se uma noção da complexidade estrutural e funcional que há por baixo de um rosto. Compreende-se então como dezenas de elementos anatômicos podem se relacionar para gerar a infinidade de padrões que pode ser vista na superfície, e pode-se agora avançar para a reconstrução facial propriamente dita.

O PROCESSO DE RECONSTRUÇÃO FACIAL

📷 Etapas da reconstrução facial forense de São Valentim. Cícero Moraes, José Luís Lira, ABRHAGI, Santa Maria in Cosmedin, Marcos Paulo Salles Machado. 26 de outubro de 2017. Fonte: Wikimedia Commons, modificada.

A reconstrução facial é uma ferramenta poderosa de auxílio ao reconhecimento em investigações criminais, desastres naturais e estudos arqueológicos. Ela muitas vezes é substancial nesses processos, já que os tecidos moles podem apresentar diversos graus de alterações morfológicas, que somadas ao componente emocional, geram circunstâncias de falso reconhecimento de cadáveres ¹³. Não é meramente uma laboração técnica rigorosa para colocar carne por cima de ossos. A reconstrução facial é uma arte, um processo longo e trabalhoso que requer experiência e conhecimento de quem o faz. Mais que isso, é uma expressão pura de humanidade. O ato de dar um rosto a ossos, seja lá qual for a finalidade, é uma demonstração da necessidade humana de personificar, de simpatizar, uma prova da importância intrínseca que a face tem para que o ser humano se reconheça como tal. O processo foi aperfeiçoado ao longo de décadas, e hoje temos métodos computadorizados de reconstrução facial altamente eficazes. Ainda assim, a reconstrução manual artesanal ainda é muito comum, e nas mãos de um especialista, pode gerar resultados surpreendentes, verossímeis e realistas. Tanto as técnicas manuais e computadorizadas se fundamentam em, a partir do crânio, definir um conjunto de pontos de referência específicos, e, usando uma base de dados compilados, definir a profundidade e o formato dos tecidos moles, atentando-se a especificidades de idade, gênero e etnia (que podem ser obtidas a partir do crânio humano). No caso da reconstrução computadorizada, o crânio será escaneado e a partir de seu modelo tridimensional e de instruções deixadas por especialistas humanas, o computador irá gerar um rosto ¹⁴. Já na reconstrução manual, o processo é semelhante, mas feito por uma pessoa, a partir de um molde físico do crânio, usando materiais e ferramentas físicas ¹. Determinando sexo, idade e ancestralidade

Para iniciar o trabalho, esse é o primeiro passo, e por sorte, o crânio é uma excelente forma de obter essas informações, que serão essenciais para guiar a reconstrução que está por vir. Quanto ao sexo, a distinção se dá basicamente pelo formato geral e pelos processos ósseos, geralmente mais pronunciados nos indivíduos de sexo masculino e mais sutis e suaves nos indivíduos de sexo feminino ¹⁵. 📷 Tabela elaborada pelo autor, com base em dados de Ramsthaler et. al.

Quanto à idade, a técnica principal se dá pela análise das suturas do crânio. Nascemos com 44 ossos no crânio e 6 fontanelas. À medida que crescemos, os ossos vão se fundindo e as suturas vão se fechando, sendo que são quase imperceptíveis na sexta década de vida. Desse modo, pode-se obter uma estimativa da idade de uma pessoa observando-se o andamento do processo de ossificação das suturas cranianas ⁹. Quanto à ancestralidade, muitos dados relevantes podem ser obtidos a partir do crânio. Podemos citar alguns dos mais importantes: largura da abertura piriforme: define a largura do nariz; ângulo dos ossos nasais: define o formato do nariz; espinha nasal inferior e espinha nasal anterior: definem a direção do nariz; distância interorbital: dá o afastamento dos olhos; tamanho dos ossos zigomáticos: define a largura e ângulo da face; a curvatura geral da face em perfil; a proeminência de processos alveolares e o formato das órbitas oculares¹⁶. Vale lembrar que não há um padrão específico que caracteriza seguramente uma etnia, ainda que haja tendências e predominâncias de certas características ¹⁶. Também é importante ressaltar que qualquer informação que possa ser obtida sobre o estilo de vida, o trabalho, a condição da morte, além de traumas sofridos, assimetrias ósseas e perdas dentárias devem ser consideradas para uma reconstrução mais fidedigna,

A reconstrução Primeiramente, é recomendado que seja feito um molde do crânio para que se trabalhe sobre uma réplica. Em seguida, deve-se colocar a réplica na posição anatômica, na qual a margem inferior da órbita ocular deve estar alinhada ao meato acústico externo. Neste segundo momento, o objetivo é escolher os pontos de referência - geralmente são usados cerca de 40, 15 pares e 10 ímpares - e definir as quantidades de tecido mole que será usado para começar a moldar a face. Tais quantidades estão tabeladas em diversos estudos, mas os mais precisos são os mais recentes, que utilizaram tomografia e ressonância para gerar bancos de dados de espessuras do tecido mole facial ¹³. Essas espessuras têm grande taxa de variação de pessoa para pessoa, o que é possivelmente o maior fator limitante para a precisão de qualquer reconstrução facial ¹⁷.

📷 A Figura representa o princípios dos pontos de referência para a reconstrução facial nos dois processos, o escultural manual e o computadorizado. Fonte: Facial reconstruction – anatomical art or artistic anatomy? Para continuar nosso processo, o primeiro passo deve ser adicionar os músculos que influenciam o formato da face, discutidos durante a explicação anatômica. A ordem em que são colocados varia de acordo com o profissional que realiza a reconstrução, mesmo assim, é sempre seguida a premissa, primeiro são adicionados os músculos profundos (geralmente os da mastigação), e posteriormente, os superficiais. Uma vez que são a base do tecido mole, a colocação adequada dos músculos, seguindo suas origens, fixações, tamanho e formato é impreterível para que os contornos da reconstrução sejam verossímeis ¹³. No caso que será exemplificado, a sequência de colocação dos músculos foi a seguinte: temporal, bucinador, masseter, mentual, depressor do lábio inferior, orbicular da boca, elevador do ângulo da boca, elevador do lábio superior, depressor do ângulo da boca, elevador do lábio superior e da asa do nariz, zigomático menor e zigomático maior, orbicular do olho (tem que ser colocado posteriormente ao globo ocular) e risório (colocado por último, pois requer fixação na glândula parótida, que repousa sobre o masseter) ¹⁸.

📷📷 📷📷 📷📷 📷📷📷📷📷📷📷📷 As imagens acima ilustram o passo a passo da colocação dos músculos durante a reconstrução facial. foram retiradas de https://www.futurelearn.com/courses/forensic-facial-reconstruction/0/steps/25673 Fonte: “Forensic facial reconstruction: Finding MIster X”, Universidade de Sheffield. Obviamente o procedimento não envolve apenas os músculos. Diversas estruturas tem que ser adicionadas, utilizando-se técnicas específicas para garantir que a harmonia da face seja alcançada no resultado final. A seguir serão citados algumas dessas estruturas e as técnicas utilizadas para posicioná-las adequadamente à face com a qual se está trabalhando ¹⁷.

Olhos: são centralizados com a órbita ocular, a medição é feita para garantir isso. Eles devem ser colocados envoltos em tecido mole e pressionados em sentido posterior até estarem alinhados em perfil com a maxila, evidentemente, têm que ser posicionados antes do músculo orbicular do olho ¹⁷.

Gordura facial: o preenchimento pela gordura facial é essencial para, após moldar todos os músculos, terminar de dar um formato aproximado à face. São adicionados os compartimentos de gordura seguindo os marcadores de profundidade nos pontos de referência. O queixo, a bochecha, tudo começa a tomar um formato mais humano nesta etapa ¹⁷.

Pálpebras: tem que ser construídas de acordo com as características individuais de idade, sexo e etnia. Vale lembrar que o canto medial do olho é um pouco inferior ao canto superior para facilitar o fluxo de lágrimas ¹⁷.

Fonte: Wikimedia commons

Orelhas: São colocadas seguindo uma “regra de ouro”. A parte superior da orelha que se conecta à face estaria um pouco abaixo do nível do canto dos olhos e a parte inferior, ao nível da espinha nasal anterior. Já que os formatos são muito variados e imprevisíveis, é usado um formato padrão de cartilagem ¹⁷.

Lábios: o tamanho dos lábios pode ser aproximado, em sua espessura, pelo tamanho dos dentes e, em sua largura, por duas linhas verticais correspondentes ao centro dos olhos. No caso à esquerda, o lábio está assimétrico pois o crânio apresentava sinais de trauma maxilar e haviam dentes caídos, o que deforma o lábio ¹⁷. Nariz: a largura do nariz é determinada pelo tamanho da abertura piriforme, assim como as narinas (um quarto da abertura). O formato é definido principalmente pelo osso nasal. A direção para onde o nariz aponta depende do septo nasal e das espinhas nasais. O ângulo da espinha nasal anterior define se o nariz será caído ou empinado, e seu tamanho é utilizado para estimar o tamanho do nariz. No caso, o nariz é torto pois o vômer indicava um grande desvio do septo nasal e uma lesão óssea gerou uma assimetria na abertura piriforme, que indica uma assimetria nas narinas ¹⁷.

Acabamento: consiste em dar os detalhes, baseados nos dados que foram obtidos sobre ancestralidade, idade, sexo, estilo de vida, etc. É uma parte razoavelmente dependente da interpretação e habilidade do artista para gerar o resultado final da reconstrução ¹⁷.

As imagens foram retiradas do documentário “The Science and Art of The Facial Reconstruction Process”, produzido pelo New York State Museum.

E por fim, chegamos ao final de nosso reconstrução facial. O processo é complexo e minucioso, mas é surpreendente ver que é capaz de dar um rosto, um formato tão humano, a o que antes eram meramente ossos O resultado, quando feito por um profissional com conhecimento anatômico, habilidade e técnica, é literalmente uma obra de arte, mas amplamente baseada em técnicas científicas.

REFERÊNCIAS

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