Por Ana Carolina de Souza Soares
O fígado tem vascularização dupla, sendo que, a origem venosa é
dominante em relação à arterial [3]. A veia porta traz 75-85% do sangue para o
fígado e conduz praticamente todos os nutrientes (com exceção dos lipídios)
absorvidos pelo trato alimentar para os sinusoides hepáticos, sustentando os
hepatócitos [3]. Já o sangue arterial, advindo da artéria hepática, representa
cerca de 20-25% do sangue recebido pelo fígado e irriga, principalmente,
estruturas não parenquimatosas, sobretudo os ductos biliares intra-hepáticos
[3].
A veia porta do fígado tem 6 a 8 cm [2] e origina-se anteriormente à veia
cava inferior e posteriormente ao colo do pâncreas pela união das veias
mesentérica superior e esplênica. Ela recebe sangue com oxigenação reduzida,
mas rico em nutrientes da parte abdominal do trato digestório – incluindo
vesícula biliar, baço e pâncreas – e o conduz até o fígado [3]. A veia esplênica
é formada por várias tributárias que emergem do hilo esplênico e recebe as
veias mesentérica inferior, gástricas curtas, gastromental esquerda e outras
várias tributárias que drenam o pâncreas (vv. pancréticas dorsal, magna e
caudal). A veia mesentérica superior é formada por tributárias que drenam o
lado direito do cólon, intestino delgado e cabeça do pâncreas [2].
No hilo hepático, a veia porta divide-se em dois ramos, o direito, que
supre o lobo direito do fígado, e o esquerdo, que leva sangue para os lobos
esquerdo, caudado e quadrado. O sangue portal é levado pelos ramos
terminais da veia porta até os sinusóides e, desses, para as veias
centrolobulares que drenam para as veias hepáticas e estas para a veia cava
inferior [2].
O sistema porta do fígado estabelece comunicações anastomóticas, por
meio de tributárias da veia porta, com as veias cavas superior e inferior,
conhecidas como anastomoses portossistêmicas. A pressão normal na veia
porta é baixa devido a uma resistência vascular mínima a nível dos sinusóides hepáticos [4], logo, em indivíduos que encontram-se em condições normais,
pouca quantidade de sangue passa por estas anastomoses.
A pressão no sistema portal pode ser interpretada como o resultado da
interação entre o fluxo sanguíneo e a resistência vascular que se opõe a esse
fluxo. Assim, a pressão portal pode aumentar, se houver aumento do fluxo
sanguíneo portal ou aumento da resistência vascular ou de ambos, e,
consequentemente, gerando a hipertensão porta [2].
Contudo, o sistema portal é constituído de veias sem válvulas e, se a
pressão dentro desse sistema eleva-se acima do padrão de normalidade
(hipertensão porta), a direção do fluxo sanguíneo pode reverter no sentido
daquelas anastomoses. Desse modo, essas vias alternativas são de extrema
importância, pois, se a circulação porta através do fígado é reduzida ou
obstruída, o sangue do trato digestório ainda pode chegar ao átrio direito do
coração, por meio dessas vias colaterais [3].
As anastomoses portossistêmicas formam-se na tela submucosa da
parte inferior do esôfago, na tela submucosa do canal anal, na região
paraumbilical e nas áreas nuas de vísceras secundariamente retroperitoneais,
ou no fígado [3].
O plexo venoso submucoso do esôfago drena, superiormente, para a
veia ázigo e, em seguida, para a veia cava superior. Inferiormente, o plexo
venoso esofágico, através de ramos esofágicos, drena para a veia gástrica
esquerda, que desemboca na veia porta [3].
Na tela submucosa do canal anal, as veias retais inferior e média drenam
para a veia cava inferior. Já a veia retal superior drena para a veia mesentérica
inferior que é tributária - indireta ou direta - da veia porta [3].
As veias paraumbilicais, tributárias da veia porta, anastomosam-se com
pequenas veias epigástricas da parede abdominal anterior [3]. Essa veias
epigástricas podem drenar para um canal de anastomose lateral relativamente
direto, a veia toracoepigástrica, que pode existir ou se desenvolver (em virtude
da alteração de fluxo venoso) entre as veias torácica lateral e epigástrica
superficial [3]. A v. torácica lateral drena para a veia axilar e, por meio das veias
subclávia e braquiocefálica, chega a veia cava superior. A v. epigástrica
superficial drena para a veia femoral e, por meio das veias ilíaca externa e
ilíaca comum, chega a veia cava inferior.
Já nas faces posteriores (áreas nuas) de vísceras secundariamente
peritoneais, ou o fígado, veias viscerais anastomosam-se com veias
retroperitoneais da parede abdominal posterior ou diafragma [3].
Em caso de hipertensão portal, o volume de sangue forçado através das vias
colaterais pode ser excessivo, acarretando varizes (dilatação anormal das
veias) [3]. No plexo venoso esofágico, o fluxo excessivo de sangue nessas
veias pode gerar varizes esofágicas. Na tela submucosa do canal anal, as vias
colaterais venosas retais também podem tornar-se varicosas, resultando as
hemorroidas. Ainda, na parede abdominal anterior, ao nível da cicatriz umbilical,
as veias superficiais da pele e tela subcutânea, quando dilatadas, tem uma
aparência característica conhecida com o nome de “cabeça de medusa”.
Desse modo, pode-se concluir que o conhecimento anatômico das
anastomoses portossistêmicas é de suma importância na prática clínica, pois
essas vias colaterais são trajetos de comunicação patológica entre a circulação
do fígado e a sistêmica. Além disso, em alguns casos, as consequências do
volume de sangue aumentado nessas anastomoses podem ser os únicos sinais
que indicam a existência de uma hipertensão portal.
REFERÊNCIAS
[1] LEITE, Andréa Farias de Melo et al. Colaterais portossistêmicas
adquiridas: aspectos anatômicos e imaginológicos. 2016. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/rb/v49n4/pt_0100-3984-rb-49-04-0251.pdf>. Acesso
em: 20 ago. 2018.
[2] MARTINELLI, Ana L. Candolo. HIPERTENSÃO PORTAL. Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto, Ribeirão Preto, v. 37, n. 3 e 4, p.253-261,
jul./dez. 2004. Disponível em:
<http://revista.fmrp.usp.br/2004/vol37n3e4/7hipertensao.pdf>. Acesso em: 18
ago. 2018.
[3] MOORE, Keith L.; DALLEY, Arthur F.; AGUR, Anne M. R.. ANATOMIA
ORIENTADA PARA A CLÍNICA. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,
2010.
[4] MOREIRA, Joana et al. Uma causa rara de hipertensão portal: Caso clínico.
In: CONGRESSO DA SOCIEDADE PORTUGUESA DE ANGIOLOGIA E
CIRURGIA VASCULAR, 10., 2010, Porto. Caso Clínico. Porto: Spacv/medi,
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