top of page
Buscar
Foto do escritorLANAC

Minitoracotomia na abordagem das valvopatias aórticas

Luiz Lorentz Salzmann Lamego

Graduando do curso de Medicina, Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais


Introdução

As cirurgias minimamente invasivas têm ganhado destaque recentemente. Nos anos 90, o surgimento de técnicas utilizando incisões menores gerou intensas discussões. Além dos efeitos estéticos das pequenas incisões, pode-se citar também o menor trauma cirúrgico, rápida recuperação pós-operatória, menor dor e menos hemorragias. A minitoracotomia permite a realização da cirurgia sem qualquer corte no osso. Apesar disso, a esternotomia mediana ainda é o acesso mais utilizado para o tratamento cirúrgico das doenças que acometem o coração, principalmente pela excelente exposição a todas as câmaras cardíacas, valvas, artérias coronárias e vasos da base, viabilizando a correção das mais variadas lesões cardíacas com uma baixa morbimortalidade relatada.


Anatomia da valva aórtica

A valva aórtica é composta por três válvulas (também chamadas de cúspides) semilunares (direita, esquerda e posterior) que quando vistas de cima são côncavas. Ela possui área menor que a área das valvas atrioventriculares e não possui cordas tendíneas para sustentá-la. A margem de cada válvula é mais espessa na região de contato, formando a lúnula. O ápice da margem livre, também espesso, é chamado de nódulo. Os espaços entre a origem da aorta ascendente e cada válvula semilunar são dilatados e formam os seios da aorta. A abertura da artéria coronária esquerdo é no seio da aorta esquerdo, da artéria coronária direita no seio da aorta direito e o seio da aorta posterior não possui, normalmente, nenhuma artéria coronária se originando. A dilatação da parede e o sangue presente nesses seios impedem a adesão das válvulas às paredes do vaso, o que poderia impedir o fechamento e gerar um fluxo sanguíneo retrógado.



Figura 1Anatomia da valva aórtica, disponível em: https://www.lucasnicolau.com/img/postagem/dfghggfh.jpg












Fisiologia da valva aórtica

A pressão no ventrículo esquerdo se eleva durante a sístole ventricular, e quando ela ultrapassa a pressão na aorta, o sangue ejetado irá afastar as válvulas, proporcionando a abertura da valva aórtica e liberando o sangue acumulado. Assim que a sístole ventricular termina, a pressão ventricular diminui rapidamente abaixo da pressão da aorta , forçando a valva a se fechar novamente, com um estalido, como um guarda-chuva apanhado pelo vento. As válvulas se aproximam para fechar completamente a abertura e evitar qualquer retorno significativo de sangue para o ventrículo esquerdo. Quando o miocárdio relaxa ocorre o enchimento das artérias coronárias.





Estenose aórtica

Estenose aórtica é um estreitamento da valva aórtica, obstruindo e turbilhonando o fluxo sanguíneo do ventrículo esquerdo para a aorta ascendente durante a sístole. As etiologias compreendem febre reumática, valva bicúspide congênita e esclerose degenerativa idiopática com calcificação. É a doença valvar aórtica adquirida mais frequente e está presente em 4,5% da população acima de 75 anos. A evolução da calcificação valvar é lenta e os sintomas mais frequentes (dor torácica, síncope e dispneia) tipicamente surgem após os 60 anos. Uma vez sintomáticos, os pacientes passam a apresentar uma piora significativa de seu prognóstico, com média de sobrevivência de dois a três anos, com aumento significativo no risco de morte súbita. A Cirurgia Valvar Aórtica ainda é a única terapêutica efetiva a longo prazo no alívio da sobrecarga ventricular esquerda em pacientes com estenose aórtica importante. O diagnóstico é suspeitado clinicamente por meio de achados característicos como o sopro de ejeção em crescendo-decrescendo e sinais palpáveis incluindo pulsos periférico e carotídeo de amplitude reduzida e ascensão lenta (pulsus tardus et parvus). A confirmação do diagnostico é feito por meio da ecocardiografia com Doppler para quantificar o grau da estenose medindo a velocidade do jato, o gradiente de pressão sistólica transvalvar e a área valvar aórtica.





Figura 4representação de uma valva aórtica estenosada, disponível em: http://www.cardiotoracica-gaia.com/uploads/5/1/3/6/51365529/374485_orig.jpg




Insuficiência aórtica

Insuficiência ou regurgitação aórtica é a incompetência da valva aórtica que causa um fluxo sanguíneo reverso da aorta para o ventrículo esquerdo durante a diástole. A consequência disso será a produção de um sopro cardíaco holossistólico e um pulso colapsante com impulso forte que irá diminuir rapidamente. A etiologia da lesão regurgitante valvar aórtica compreende várias causas, tais como a síndrome de Marfan, dilatação idiopática da aorta, endocardite infecciosa, anormalidades congênitas (valva bicúspide), calcificação da valva, doença reumática, hipertensão arterial sistêmica, degeneração mixomatosa e dissecção da aorta ascendente. Os sintomas incluem dispneia por esforço, ortopneia, dispneia paroxística noturna, palpitações, dor torácica, edemas e fraqueza. Tais sintomas são causados pela insuficiência cardíaca gerada como consequência. Além disso, pode ocorrer a hipotensão com lesão de múltiplos órgão como resultado de um choque cardiogênico pela sobrecarga de pressão e volume. O diagnóstico é suspeito clinicamente e é confirmando por ecocardiografia. A ecocardiografia com Doppler é o exame escolhido para identificar e quantificar a magnitude do fluxo sanguíneo regurgitado e graduar a gravidade geral da insuficiência aórtica. A intervenção é a substituição da valva aórtica cirúrgica ou o reparo da valva, menos comumente. Com o tratamento, a sobrevida em 10 anos de pacientes com regurgitação aórtica leve a moderada é de 80 a 95%.



Figura 5 - Comparação entre uma valva aórtica comum e outra patológica, disponível em: https://thevalveclub.com.br/wp-content/uploads/2020/03/TextoCaptura-de-Tela-2020-02-14-%C3%A0s-16.56.01-300x277.png


Técnica cirúrgica da minitoracotomia

Primeiramente, para a realização dessa cirurgia têm-se como pré-requisitos mínimos: aorta ascendente de boa qualidade (não aneurismática e sem placas ateromatosas), artérias femorais sem muitas placas ateromatosas, ausência de filtro de cava e ausência de cirurgia de coronária prévia com uso de mamária.

Geralmente, na minitoracotomia realiza-se uma incisão no bordo esternal direito estendendo-a lateralmente com 5 cm de comprimento, o intercosto é incisado até se observar a artéria mamária direita. O 2º intercosto é acessado em pacientes brevilíneos ou com tórax pequeno na radiografia torácica e o 3º espaço intercostal nos demais pacientes.



Figura 6 - Em D podemos ver a incisão da minitoracotomia em comparação aos outros métodos tradicionais, disponível em: https://cirurgiacardiacablog.files.wordpress.com/2017/04/sem-nome.png









Figura 7 – Opções de acesso das minitoracotomias para tratamento cirúrgico da valva aórtica. A: acesso no 2º intercostal direito. B: 3º espaço intercostal direito e hemiesternotomia superior, disponível em: https://cdn.publisher.gn1.link/bjcvs.org/imagensRBCCV/v27n4a15fig06.jpg


Logo após a incisão, a videotoracoscopia é utilizada, sendo introduzida no 2º intercosto, lateralmente à incisão torácica, ampliando o campo de visão.



Figura 8 - Observação do coração por videotoracoscopia. A: visualização do óstio e folheto coronariano direito. B: observação do ventrículo esquerdo. C: visualização do interior do ventrículo esquerdo na busca de êmbolos de cálcio ou debris, disponível em : https://cdn.publisher.gn1.link/bjcvs.org/imagensRBCCV/v27n4a15fig04.jpg


Um afastador torácico com uma única lâmina metálica de 4 cm de largura então é usado para exposição da cavidade. Segue-se a dissecção e identificação do pericárdio e o abre sobre a aorta ascendente desde a deflexão pericárdica até o encontro da aurícula direita. Após feita a heparinização plena, realiza-se a canulação dos vasos femorais, primeiramente a veia femoral direita, introduzindo um guia metálico rígido que progride até o átrio direito. Dilatadores são introduzidos sequencialmente para dilatar o vaso até que a cânula, com dilatador oclusivo, é introduzida até o átrio direito. Depois de posicionada a cânula venosa, esta é fixada na pele e conectada ao tubo venoso da circulação extracorpórea. Para a canulação arterial, a progressão da cânula segue até seu comprimento máximo, na aorta abdominal. Conectada ao segmento arterial no tubo de circulação extracorpórea, testa-se a permeabilidade e o pulso. Antes do pinçamento transtorácico, confecciona-se uma bolsa na raiz aórtica para introdução da cânula de cardioplegia. Para colocação da pinça transtorácica de Chitwood® nos pacientes submetidos a minitoracotomia ântero-lateral, a videoscopia auxila o pinçamento da aorta realizado de forma lateral junto à deflexão pericárdica. Feito o pinçamento, inicia-se então a circulação extracorpórea. Nesse momento, abre-se a cavidade cardíaca através de aortotomia transversal e realiza-se a troca da valva aórtica. Após isso, procura-se ter muita atenção para máxima retirada de ar das cavidades cardíacas e após revisão da hemostasia, inicia-se solução de protamina por infusão continua para reverter o efeito da heparina, retirando a cânula venosa. Depois de revertida a anticoagulação, uma bolsa com fio prolene 4-0 “em U” é confeccionada na artéria ao redor da cânula femoral, para oclusão após sua retirada. Um dreno torácico é colocado para drenagem no 5º intercosto com linha axilar anterior. E por fim, após terminadas todas as suturas, a anestesia é superficializada conforme o protocolo anestésico.



Figura 9 - Minitoracotomia ântero-lateral direita e uso de afastador de Finochietto pediátrico ou ESTECH®. A: panorâmica; B: pinçamento aórtico lateral com pinça de Chitwood®; C: exposição da aorta via minitoracotomia; D: videotoracoscopia com visualização de valva aórtica calcificada; E: implante da prótese aórtica, sendo possível observar o tamanho da incisão proporcional ao diâmetro da prótese: F: prótese metálica implantada, disponível em: https://cdn.publisher.gn1.link/bjcvs.org/imagensRBCCV/v27n4a15fig02.jpg



Vídeo de demonstração de alguns passos da cirurgia: https://www.youtube.com/watch?v=wqLX3ZqTrZs

Referências bibliográficas:

1. MOORE, K. L. et al. Moore Anatomia Orientada para a Clínica. 7ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017

2. FORTUNATO JUNIOR, Jeronimo Antonio et al. Troca valvar aórtica minimamente invasiva: uma alternativa à técnica convencional. Rev Bras Cir Cardiovasc [online]. 2012, vol.27, n.4 [cited 2020-08-22], pp.570-582. Available from: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-76382012000400015&lng=en&nrm=iso>. ISSN 0102-7638. https://doi.org/10.5935/1678-9741.20120099.

3. Tabata M, Umakanthan R, Cohn LH, Bolman RM 3rd, Shekar PS, Chen FY, et al. Early and late outcomes of 1000 minimally invasive aortic valve operations. Eur J Cardiothorac Surg. 2008;33(4):537-41.

4. Tyszka AL, Watanabe R, Cabral MMC, Cason AM, Hayashi EK, Nogueira GA, et al. Acesso minimamente invasivo para troca da valva aórtica: resultados operatórios imediatos comparativos com a técnica tradicional. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2004;19(1):34-4

5. Tarasoutchi F, Montera MW, Grinberg M, Barbosa MR, Piñeiro DJ, Sánchez CRM, Barbosa MM, Barbosa GV et al. Diretriz Brasileira de Valvopatias - SBC 2011 / I Diretriz Interamericana de Valvopatias - SIAC 2011. Arq Bras Cardiol 2011; 97(5 supl. 1): 1-67

6. Fortunato Jr JA, Branco Filho AA, Branco A, Martins ALM, Pereira ML, Ferraz JGG, et al. Padronização da técnica para cirurgia cardíaca videoassistida: experiência inicial. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2008;23(2):183-9.

7. Plass A, Scheffel H, Alkadhi H, Kaufmann P, Genoni M, Falk V, et al. Aortic valve replacement through a minimally invasive approach: preoperative planning, surgical technique, and outcome. Ann Thorac Surg. 2009;88(6):1851-6.

1.677 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page