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Paralisia Facial Periférica

Júlia Cerqueira Maranhão Graduanda do curso de medicina, FM-UFMG


A paralisia facial periférica (PFP) consiste no acometimento do nervo facial (VII nervo craniano) em qualquer ponto desde seu núcleo na ponte até suas ramificações distais. A apresentação mais comum da PFP é a idiopática, também conhecida como Paralisia de Bell, que ocorre em 60 a 80% dos casos e tem seu diagnóstico realizado por exclusão.

Primeiramente, é importante entender mais sobre o nervo facial. Ele é um nervo misto, sendo tanto motor como sensitivo, constituído por fibras aferentes e eferentes, tanto gerais como especiais. Do córtex cerebral até suas ramificações na face, ele pode ser dividido em 3 segmentos: supranuclear, nuclear e infranuclear, que por sua vez é subdividido em outros 6 segmentos: pontino, meatal, labiríntico, timpânico, mastoideo e extratemporal. O nervo facial é vascularizado, em sua porção intratemporal, pelas artérias petrosa e estilomastóidea, e possui uma extensa rede de anastomoses que evitam isquemia. Uma exceção a essa rede de anastomoses consiste no segmento labiríntico, que acaba sendo envolvido em grande parte das vezes nos processos de paralisia idiopática, herpes zoster oticus e paralisias tardias.




Figura 1: representação esquemática do nervo facial. Disponível em: https://www.medicinanet.com.br/conteudos/revisoes/5368/paralisia_facial.htm


Figura 2: Anatomia do nervo facial Disponível em: https://blog.jaleko.com.br/nervos-cranianos-nervo-facial-vii/










Sobre a lesão neural, pode-se descreve-la como neuropraxia e classifica-la em 5 classes: neuropraxia (classe I), axoniotmese (classe II) ou neurotmese (classes III a V). A neuropraxia é decorrente de uma compressão do fluxo de axoplasma no axônio distal, o que acarreta anóxia nos axônios, pois há compressão dos vasos sanguíneos adjacentes. Após a remoção do processo compressivo, o axônio é remielinizado e a função nervosa condutiva se reestabelece normalmente em dias ou semanas. Já a axoniotmese consiste em um estado de degeneração walleriana distal à lesão, mas o endoneuro dos axônios motores segue preservado. A regeneração da lesão pode ocorrer de semanas a meses, se o endoneuro continuar preservado. Por fim, a neurotmese consiste na degeneração walleriana associada à perda do endoneuro (classe III), do endoneuro e perineuro (classe IV) e do endoneuro, perineuro e epineuro (classe V), com lesão axonal e estrutura de sustentação conjuntiva do nervo comprometida. A recuperação pode ocorrer, mas nem sempre é satisfatória.



Figura 3: Classificações das lesões nervosas e alterações morfológicas dos nervos Disponível em: https://forl.org.br/Content/pdf/seminarios/seminario_39.pdf


Para avaliar o paciente com paralisia facial, deve-se primeiramente, indagar-se se a paralisia em questão realmente é uma paralisia periférica. Na paralisia central, há somente paralisia do terço inferior da face, sem envolvimento de secreções salivares, lacrimais e da gustação. Descartada esta hipótese, para realizar uma avaliação clínica do grau de paralisia pode-se empregar o sistema de House-Brackmann para padronizar sua categorização. Ele é dividido em 6 graus, sendo:

Grau I: Normal

Grau II: Disfunção leve

Grau III: Disfunção moderada

Grau IV: Disfunção moderadamente severa

Grau V: Disfunção severa

Grau VI: Paralisia total



Figura 4: Grau de paralisia Legenda: I – Normal; II – Disfunção Leve; II – Disfunção Moderada; IV –Disfunção Moderamente Severa; V-Disfunção Severa; VI- Paralisia Total Disponível em: https://portalbiocursos.com.br/ohs/data/docs/34/296_-_Protocolo_de_AvaliaYYo_Funcional_Muscular_na_Paralisia_Facial_PerifYrica.pdf


Também é fundamental realizar uma anamnese com muitos detalhes e um exame físico rigoroso, de modo a excluir ou confirmar as etiologias mais conhecidas de paralisia motora. Caso nenhum se confirme, por exclusão, tem-se a paralisia de Bell (idiopática). Podem ser aplicados testes eletrofisiológicos, utilizados para estabelecer um prognóstico acerca do retorno da função normal do nervo facial, dentre os quais figuram o teste de excitabilidade nervosa, o teste de estimulação máxima, a eletroneurografia e a eletromiografia, e testes topodiagnósticos, utilizados para estabelecer onde ocorreu a lesão. Entretanto, nesse caso, a tomografia computadorizada ou a ressonância magnética são mais eficientes.

Dentre as principais etiologias da PFP, encontram se: paralisia de Bell, herpes zoster oticus (síndrome de Ramsay Hunt), otite média aguda (OMA), síndrome de Melkersson Rosenthal, traumas e neoplasias.

A paralisia de Bell é a forma mais comum de paralisia facial, que atinge de 60 a 80% dos casos de PFP. Ela é diagnosticada por exclusão e possui maior incidência em indivíduos entre 15 e 45 anos de idade. Ambos os lados da face podem ser afetados igualmente. É caracterizada como uma paralisia súbita (com instalação de 24 a 48 horas), flácida, periférica e idiopática. Pode ser associada a dor retroauricular, olho seco e alterações gustativas. Pode haver também sintomas auditivos. Em mais de 80% dos casos, há início do retorno dos movimentos faciais em até 3 semanas. O movimento retorna completamente na grande maioria dos pacientes, mas de 10 a 15% dos acometidos podem apresentar uma fraqueza residual e deformidades secundárias. Pacientes portadores de outras doenças, como HAS e diabetes mellitus possuem pior prognóstico de recuperação. O tratamento, nesse caso, consiste no uso de corticoesteróides, que podem ou não serem associados a anti-virais. A cirurgia de descompressão do nervo facial é controversa, mas é indicada quando existe mais de 90% de degeneração na eletroneurografia dentro das 3 primeiras semanas do quadro.

A herpes zoster oticus é uma reativação da infecção pelo vírus da varicela zoster, sendo a segunda causa atraumática mais frequente de PFP. O aumento da idade dos indivíduos está associado ao aumento da incidência da doença. Nesse caso, a PFP é causada por edema e compressão do nervo, com um quadro de aparecimento de vesículas e dor intensa. Pode também ocorrer perda auditiva neurossensorial, vertigem e zumbido. O prognóstico de recuperação é pior que o da paralisia de Bell, com apenas 46% dos pacientes se recuperando satisfatoriamente sem tratamento e 54% com sequelas moderadas a severas. O tratamento com predinisona e aciclovir mostrou-se efetivo para a recuperação dos pacientes.

A otite média aguda bacteriana pode, raramente, ter como complicação a PFP. A fisiopatologia da paralisia facial nessa doença não é claramente compreendida, mas pode estar relacionada ao edema gerado pela inflamação, que comprime e causa isquemia no nervo facial. Pode também ocorrer desmielinização devido a toxinas bacterianas e neurite aguda. O tratamento consiste em antibioticoterapia por 10 a 14 dias, utilizando cefalosporinas de segunda geração ou amoxicilina com clavulanato de potássio. Caso a paralisia não melhore em 7 dias de tratamento, deve-se solicitar uma tomografia computadorizada dos ossos temporais, de modo a verificar a presença de mastoidite coalescente ou tumores ocultos.

A síndrome de Melkersson Rosenthal é caracterizada por paralisia facial alternante recorrente, edema na face e nos lábios e presença de fissuras na língua. Ela pode ser confundida com a paralisia de Bell, já que seus sinais podem não aparecer todos concomitantemente. É uma doença mais frequente a partir dos 20 anos de idade, e a PFP ocorre em cerca de 50 a 60% dos pacientes, tendo início súbito e sendo mais frequente na área edemaciada. O tratamento consiste em corticoides e, recentemente, clofazimina, fármaco para o tratamento de hanseníase.

Os traumas se dividem, nesse caso, em extratemporais e intratemporais. Quando há traumas extratemporais, a lesão do nervo facial se dá na porção extracraniana do nervo, devendo ser reparadas quando ocorrem no tronco principal, nos dois ramos principais e nos ramos temporal e marginal. Já nos traumas intratemporais, a disfunção do nervo facial pode ser resultado de fraturas do osso temporal. Em caso de traumas penetrantes, a transecção do nervo é comum e o prognóstico ruim. Em caso de traumas fechados, o prognóstico costuma ser bom e a maioria dos pacientes tem recuperação normal ou muito próxima dele. Pode ser necessária a cirurgia para descompressão e reparação do nervo. Quando houve a disrupção completa do nervo, a realização de uma anastomose direta ou colocação de um enxerto é necessária. Em caso do tempo entre lesão e reparo ser entre 1 e dois anos, ou do coto central não estar disponível, realiza-se uma anastomose hipoglosso-facial.


Por fim, as neoplasias podem invadir ou comprimir o nervo em qualquer ponto de seu trajeto. As duas neoplasias mais prevalentes na paralisia facial são o carcinoma adenóide cístico e o carcinoma indiferenciado. Nesses casos, são realizadas excisões cirúrgicas radicais com sacrifício do nervo, que posteriormente é reconstruído após a retirada do tumor.

BIBLIOGRAFIA

1- VALENÇA, Marcelo Moraes; VALENÇA, Luciana Patrízia A.; LIMA, Maria Carolina Martins. Paralisia facial periférica idiopática de Bell: a propósito de 180 pacientes. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, v. 59, n. 3B, p. 733-739, 2001.

2- MATOS, Catarina. Paralisia facial periférica. O papel da medicina física e de reabilitação. Acta Médica Portuguesa, p. 907-914, 2011.

3- DIB, Gabriel Cesar; KOSUGI, Eduardo Macoto; ANTUNES, Marcos Luiz. Paralisia facial periférica. Rev Bras Med, v. 61, n. 3, p. 110-7, 2004

4- TESTA, José Ricardo Gurgel; FUKUDA, Yotaka. Paralisia facial periférica idiopática: da incidência e dos fatores prognósticos. Acta AWHO, v. 12, n. 1, p. 9-18, 1993.

5- CORREIA, Tiago et al. Paralisia Facial Periférica Diagnóstico, Tratamento e Orientação. Nascer e Crescer, v. 19, n. 3, p. 155-160, 2010.

6- MOORE, K. L.; DALEY II, A. F. Anatomia orientada para a clínica. 7a.edição. Guanabara Koogan. Rio de Janeiro, 2014

7- WEBER, Raimar. Paralisia facial periférica. Seminários da Fundação Otorrinolaringologia. São Paulo, 2005.


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