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Síndrome de Budd-Chiari

Por Maria Paula Parreira, acadêmica do 6º período da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais - FCMMG


INTRODUÇÃO


Definição: é a obstrução da saída do fluxo sanguíneo do fígado, podendo se originar desde os pequenos ramos da veia hepática dentro do fígado, até a veia cava inferior ou o átrio direito. Com isso, o fígado fica congesto e edemaciado. Pode ser primária, quando ocasionada por lesão venosa intra-luminal (trombose ou flebite), ou secundária à compressão extrínseca ou invasão neoplásica da veia hepática ou cava inferior.

A redução contínua da perfusão hepática pode levar a lesão isquêmica de hepatócitos e, consequentemente a uma hepatopatia crônica, com degeneração e necrose dos mesmos, podendo chegar ao quadro de cirrose, quando apenas o tratamento por transplante hepático é eficaz. Por isso, o diagnóstico precoce e tratamento ideais são essenciais para o manejo da doença.


Principais sinais e sintomas: é importante ressaltar que as manifestações podem ser desde assintomáticas até uma falência hepática aguda, dependendo do tipo de instalação da obstrução, ou seja, se foi algo mais agudo ou crônico. Quando sintomática, os sintomas mais comuns são: febre, fadiga, dor (por distensão da Cápsula de Glisson) e distensão abdominal, ascite, icterícia, hepatoesplenomegalia, edema de membros inferiores e sangramento em trato gastrointestinal em decorrência das complicações da hipertensão portal.


ANATOMIA HEPÁTICA

O fígado é a maior víscera abdominal e se estende desde o hipocôndrio direito até o epigástrio, mas pode inclusive chegar ao hipocôndrio esquerdo.

É importante compreender que ele possui uma segmentação hepática própria advinda dos ramos da v. porta e das ramificações dos ductos biliares, que não coincide com a segmentação anatômica convencional realizada pelo ligamento falciforme em fígado direito e fígado esquerdo.




A segmentação hepática funcional divide o fígado em direito e esquerdo, separados por um plano médio entre a fossa da vesícula biliar e a porção lateral da v. cava inferior. Ela é importante em casos de necessidade de ressecção ou abordagens hepáticas que não precisem acontecer em todo o fígado, mas apenas na parte acometida, uma vez que possui irrigação e drenagem próprias. Essa segmentação está representada abaixo.




Face diafragmática do fígado:

- Segmento II: área posterior lateral esquerda – medial ao lig. falciforme e superior ao segmento III.

- Segmento III: área anterior lateral esquerda

- Segmento IV: lobo quadrado, localizado entre o lig. falciforme e o plano mediano

o IVa: área medial esquerda superior

o IVb: área medial esquerda inferior

- Segmento V: área ântero-medial direita

- Segmento VI: área ântero-lateral direita

- Segmento VII: área póstero-lateral direita

- Segmento VIII: área póstero-medial direita

Face visceral do fígado

- Segmento I: lobo caudado, abaixo da divisão da v. porta inferior







O fígado possui dois suprimentos vasculares. Um pela a. hepática própria, que leva o sangue oxigenado ao fígado e um pela v. porta, que leva o sangue drenado da maior parte do trato gastrointestinal para ser metabolizado pelo fígado.

Já em relação à drenagem venosa, ela é realizada pelas vv. hepáticas (direita, média e esquerda) que drena o sangue do parênquima em direção à v. cava

inferior.

OBS.: o segmento I possui drenagem própria por veias secundárias diretamente para a v. cava inferior. Em pacientes com Síndrome de Budd-Chiari, pode ser que sua drenagem permaneça viável e que por isso o lobo caudado esteja hipertrofiado em alguns pacientes.


DESENVOLVIMENTO


Etiologia: a causa mais comum acontece por coágulos que obstruem a tributação das veias hepáticas na veia cava inferior. Estes coágulos podem vir de diferentes locais, como:


- Pacientes com hipercoagulabilidade, ou seja, fatores de risco para trombose (síndrome antifosfolipídio, deficiência de antitrombina III, uso de anticoncepcionais orais, gravidez).

- Doenças hematológicas e mieloproliferativas, por exemplo, policitemia vera, trombocitemia essencial, leucemia mieloide crônica. - Doença inflamatória intestinal - Doenças de tecido conjuntivo - Traumas - Infecções hepáticas, por exemplo, por cisto hidático e amebíase - Invasão tumoral das veias hepáticas


Epidemiologia: pode ocorrer em qualquer idade e sexo, mas é mais comum em mulheres (67% dos casos) na terceira ou quarta década de vida. ¼ dos casos apresenta doença mieloproliferativa associada, sendo a policitemia vera a mais comum.


Diagnóstico: é essencial fazer uma junção entre a avaliação clínica, os testes de função hepática e imagens vasculares.

Avaliação clínica: suspeita em pacientes com hepatomegalia, ascite, falência hepática sem causa aparente. A presença de fatores de risco para trombose favorece a hipótese diagnóstica.


Testes laboratoriais: anormais, com padrões variáveis, sendo o mais comum a elevação das transaminases, com aumento dos níveis de bilirrubina indireta. Indica deterioração da função hepática, podendo levar a encefalopatia hepática e insuficiência hepática.


Ultrassonografia abdominal com doppler: os achados mais específicos são a incapacidade para visualizar a junção das veias hepáticas importantes com a veia cava inferior; a presença de espessamento, irregularidade, estenose ou dilatação das paredes das veias hepáticas; a presença de fluxo anormal nas grandes veias hepáticas ou da veia cava inferior ao doppler. Possui sensibilidade de 85%, sendo o mais sensível dentre os exames para o diagnóstico.


Tomografia computadorizada com contraste venoso: os achados mais específicos são o enchimento lentificado ou ausente das três veias hepáticas principais, após infusão de contraste; um aspecto peculiar do fígado devido ao aumento relativo do contraste central em relação ao contraste periférico. Este padrão inverte e produz uma opacificação do parênquima não homogênea; esvaziamento rápido do contraste do lobo caudado; e estreitamento e/ou falta de opacificação da veia cava inferior.


Ressonância magnética: quando US inconclusivo e inviabilidade de se fazer uma TC, seus achados são a ausência ou redução de calibre das veias hepáticas e a presença de veias intra-hepáticas tipicamente distorcidas "em forma de vírgula" são facilmente demonstráveis.


Venografia: padrão ouro, porém pouco usado pelo fato dos outros exames serem mais disponíveis. Realizada através do acesso a circulação venosa hepática percutânea, seja através da veia jugular interna, da veia cefálica, ou da veia femoral. Feita quando há planejamento cirúrgico envolvido no tratamento para se estudar toda as características vasculares do paciente.


Angiografia visceral: necessária se intervenções terapêuticas ou cirúrgicas planejadas.


Tratamento: terapia de suporte para as complicações advindas da síndrome; restauração do fluxo hepático e restaurar a perviedade das veias trombosadas; prevenção de propagação de coágulos.

Para as complicações como ascite e edema de MMII podem ser usados diuréticos e dieta baixa em sódio, bem como o uso de meias compressivas elásticas ou paracenteses de alívio repetidas.

Anticoagulação é geralmente necessária, inclusive em pacientes assintomáticos, para prevenção de recorrência em pacientes com tendências trombofílicas e, por si só é capaz de recanalizar vasos ocluídos. Geralmente a anticoagulação é mantida até que se descubra a causa da Síndrome, sendo posteriormente avaliada a necessidade de mantê-la.

Terapia com trombólise sistêmica ou local e colocação de stent são usadas quando a doença é aguda (formação de coágulos em um tempo menor que um mês de formação), uma vez que são intervenções mais agressivas.

Quando a dilatação do estreitamento do fluxo hepático é tecnicamente impossível, shunt portossistêmico intra-hepático transjugular (TIPS) e shunts cirúrgicos podem promover descompressão por desvio do fluxo sanguíneo para a circulação sistêmica. Estes pacientes possuem indicação para transplante hepático.

Transplante hepático pode ser a única opção para pacientes que não são candidatos à terapia radiológica ou de descompressão cirúrgica. Também é o único tratamento para pacientes que já evoluíram para cirrose hepática.


CASO CLÍNICO

Paciente, 47 anos, deu entrada no hospital por dor em hipocôndrio direito iniciada há três dias, forte intensidade, seguida de aumento do volume abdominal. Apresentava também dispneia de repouso. O paciente era previamente hígido, negava qualquer morbidade prévia, bem como etilismo crônico e tabagismo. Nunca havia realizado qualquer procedimento cirúrgico.

História familiar de doenças cardiovasculares.

Ao exame físico: regular estado geral, lúcido, orientado, acianótico, ictérico +/4+. Ausculta cardíaca normal e ausculta pulmonar mostrava murmúrio vesicular diminuído em bases bilateralmente, com macicez a percussão em base de hemitórax direito. O exame abdominal mostrava ascite tensa.


Propedêutica:

- Ressonância magnética: mostrou trombose de veias supra-hepáticas, sinais de hipoperfusão hepática e hepatomegalia.

- Paracentese de alívio e diagnóstica, com GASA > 1,1, confirmando ascite originária por hipertensão portal.

- Encaminhamento para hematologia que identificou deficiência do fator V de Leiden como causa da trombose.


Diagnóstico: associação entre história clínica e exame de imagem – Síndrome de Budd-Chiari.


Tratamento:

- Espironolactona – antagonista da aldosterona, que atua no túbulo contorcido distal dos rins, aumentando a quantidade de sódio e água excretados e retendo potássio. Usada para controlar a ascite do paciente, que não precisou de mais paracenteses de alívio.


- Marevan – a varfarina sódica, é um anticoagulante que inibe os fatores de coagulação dependentes da vitamina K, com isso, a capacidade de coagulação do sangue fica reduzida a fim de se evitar a trombose.


Acompanhamento ambulatorial

Sinais de hepatopatia crônica - Endoscopia digestiva alta à varizes de fino calibre

Plano terapêutico: manter Marevan por seis meses;


Novo exame de imagem: melhora da extensão da trombose, mas piora do aspecto radiológico do fígado (sinais de hepatopatia crônica. Presença de ascite de pequena monta.


Plano terapêutico: retirada do Marevan – cursou com episódio de hematêmese e realização de cinco sessões de ligadura elástica de varizes esofágicas.


Permanece hoje em acompanhamento, em uso de espironolactona, sem episódios de hematêmese e sem sinais de encefalopatia hepática.

OBS.: não há recomendação de transplante hepático no momento (MELD 14).


DISCUSSÃO DO CASO CLÍNICO

Em diagnósticos de Síndrome de Budd-Chiari é imprescindível a busca ativa por doenças hematológicas, uma vez que as condições geralmente estão associadas.

A ascite por hipertensão portal ocorre em pacientes com Síndrome de Budd-Chiari pelo aumento da pressão hidrostática presente na v. porta e seus ramos e, com isso, há consequente extravasamento de líquidos para o espaço abdominal, cursando com aumento do volume.

Por fim, outro possível tratamento seria a implantação do shunt portossistêmico intra-hepático (TIPS), para diminuir a pressão do sistema portal, por meio da criação de um curto-circuito intra-hepático através de um ramo portal (geralmente direito) e a veia cava inferior. É indicado quando não há sucesso com anticoagulantes, fato que não foi o caso do paciente em questão. Seus resultados são eficazes por cessar hematêmese, controlar varizes esofágicas e ascite, estando também associada à administração de baixas doses de diuréticos.


CONCLUSÃO

A Síndrome de Budd-Chiari é a obstrução da saída do fluxo sanguíneo do fígado e pode se originar desde os pequenos ramos da veia hepática dentro do fígado, até a veia cava inferior ou o átrio direito. A redução contínua da perfusão hepática pode levar a lesão isquêmica de hepatócitos e pode chegar ao quadro de cirrose. Por isso, um diagnóstico precoce é tão importante, para que o fígado seja menos comprometido e não haja necessidade de transplante.

Os sintomas mais comuns são: febre, fadiga, dor (por distensão da Cápsula de Glisson) e distensão abdominal, ascite, icterícia, hepatoesplenomegalia, edema de membros inferiores e sangramento em trato gastrointestinal em decorrência das complicações da hipertensão portal.

O tratamento visa à restauração da drenagem venosa interrompida e varia de acordo com o tempo de instalação da obstrução e a gravidade da insuficiência hepática, podendo ocorrer desde intervenções mais brandas, como a prevenção da propagação do coágulo, até intervenções mais agressivas, com angioplastias ou stents para manutenção da drenagem perdida ou até mesmo um transplante hepático.


REFERÊNCIAS


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BRASILEIRO FILHO, Geraldo; BRASILEIRO FILHO, Geraldo (Ed.). Bogliolo patologia. 9. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016. xiv, 1542 p. ISBN 9788527729420.


CARDOSO, Ana Vitória de Pina et al. Síndrome de Budd-Chiari – relato de caso. RESU – Revista Educação em Saúde, Anais da Mostra de Saúde, v. 8, 2020. Suplemento 1, p. 102-108.


FERREIRA, Paula Campolina Campos et al. ASCITE COMO MANIFESTAÇÃO INICIAL DE SÍNDROME DE BUDD-CHIARI. Rev Med Minas Gerais, v. 29, n. Supl 5, p. S01-S34, 2019.

KLEIN, Andrew S. Management of Budd‐Chiari syndrome. Liver Transplantation, v. 12, n. S2, p. S23-S28, 2006.


MOORE, Keith L.; DALLEY, Arthur F.; AGUR, Anne M. R. Anatomia orientada para a clínica. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017. xviii, 1114 p. ISBN 9788527725170.


NETTER, Frank H. Atlas de anatomia humana. 6. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015. Paginação irregular. ISBN 9788535276796.


SABISTON, David C; TOWNSEND, Courtney M. (Ed.). Sabiston tratado de cirurgia: as bases biológicas da prática cirúrgica moderna. 19. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015. 2 v. ISBN 978-14-377-1560-6.


ZAMBON, Lucas Santos. Síndrome de Budd-Chiari. MedicinaNET, [S. l.], 28 out. 2014. Disponível em: http://medicinanet.com.br/conteudos/revisoes/5960/sindrome_de_budd_chiari.htm. Acesso em: 6 mar. 2021.


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