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Síndrome de Brown-Séquard

Djenane Figueiredo de Rezende, acadêmica de medicina da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG

Introdução


A síndrome de Brown-Séquard foi primeiramente descrita pelo neurologista Charles-Édouard Brown-Séquard, em 1850, após observar diversos traumas de medula espinhal em fazendeiros cortadores de cana-de-açúcar (9). A síndrome de Brown-Séquard consiste em um conjunto de sintomas resultantes da hemissecção – lesão do lado esquerdo ou direito – da medula espinhal. As lesões de medula podem provocar alterações neurológicas que levam à perda de funções motoras, da sensibilidade ou, até mesmo, de funções autonômicas. Esses sintomas decorrem da secção dos tratos descendentes (fibras motoras) e ascendentes (fibras sensitivas) da medula (1).

Em casos de hemissecção medular, os tratos lesionados podem advir do mesmo lado da lesão ou do lado oposto, se forem fibras que cruzam o plano mediano. Desse modo, o quadro clínico resultante mostra um acometimento de ambos os lados do corpo, com sintomas ipsilaterais (do mesmo lado da lesão) ou contralaterais (do lado oposto da lesão). Os sinais clínicos mais característicos incluem, no lado lesado, perda da função motora e do tato epicrítico e, no lado oposto, perda do tato protopático. Contudo, para compreender a sintomatologia dessa síndrome é necessário um entendimento anatômico mais aprofundado da medula espinhal.


Anatomia da medula espinhal

A medula espinhal é composta por uma substância cinzenta circundada por uma substância branca. Esta última é constituída pelos funículos anterior, lateral e posterior (o funículo posterior contém os fascículos grácil e cuneiforme); já a substância cinzenta pode ser dividida nas colunas anterior, lateral e posterior. Uma estrutura importante da medula é a comissura branca, localizada entre a fissura mediana anterior e a substância cinzenta, onde ocorre o cruzamento das fibras.



Figura 1 – Anatomia da medula espinhal. Retirado de Gray’s: Anatomia para Estudantes. Richard L. Drake, Wayne Vogl, Adam W. M. Mitchell - 2 Ed.
















As fibras eferentes e aferentes constituem, respectivamente, as vias descendentes e ascendentes da medula. O principal trato medular descendente é o trato corticoespinhal, que possui uma porção lateral e uma anterior. Esse trato se origina no córtex e é responsável pela motricidade voluntária distal (trato corticoespinhal lateral) e pela motricidade voluntária axial e proximal (trato corticoespinhal anterior). A maioria das fibras eferentes se cruzam em nível bulbar, na decussação das pirâmides, formando a porção lateral do trato corticoespinhal, enquanto o corticoespinhal anterior cruza o plano mediano apenas na sua porção terminal, já na medula. Entretanto, do ponto de vista clínico, o corticoespinhal anterior é considerado menos importante, por ser muito menor que a porção lateral do trato descrito.


Em relação às vias medulares ascendentes, é possível citar diversos tratos que trazem informações sensitivas do corpo para o sistema nervoso central. Dentre eles, há o trato espinotalâmico, que se divide em lateral e anterior, sendo que ambos cruzam o plano mediano pela comissura branca. O trato espinotalâmico lateral é responsável por levar informações de dor e temperatura para o córtex, enquanto o anterior carrega impulsos de pressão e tato protopático (tato leve ou não-discriminativo). Ademais, no funículo posterior, existem dois fascículos: o grácil (mais medial) e o cuneiforme (mais lateral), os quais seguem ipsilateralmente até a região bulbar. Tanto o fascículo grácil quanto o cuneiforme conduzem impulsos nervosos relacionados a propriocepção consciente, tato epicrítico (tato discriminativo), sensibilidade vibratória e estereognosia. Entretanto, o fascículo grácil traz informações dos membros inferiores e da parte inferior do tronco; ao passo que o fascículo cuneiforme leva informações dos membros superiores e da parte superior do tronco. Por fim, há ainda o trato espinocerebelar, que possui uma porção posterior (que segue ipsilateralmente até o cerebelo) e outra anterior (que pode seguir ipsilateralmente ou apresentar um cruzamento duplo: em nível medular e no cerebelo). Esse trato tem como função principal a condução de impulsos de propriocepção inconsciente.



Figura 2 – Principais tratos da medula espinhal em nível cervical. Disponível em: <https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/2298264/mod_resource/content/1/sistema%20motor.pdf>


Patologia


Ao analisar as manifestações clínicas da síndrome de Brown-Séquard é possível observar as consequências das lesões dos tratos citados. Os sintomas que aparecem ipsilateralmente decorrem da interrupção dos tratos corticoespinhal lateral, espinocerebelar posterior e a porção homolateral do espinocerebelar anterior e dos fascículos grácil e cuneiforme. Já os sintomas que acometem o lado oposto à lesão resultam da secção dos tratos cruzados na medula: espinotalâmicos lateral e anterior, corticoespinhal anterior (possui menor relevância clínica) e a parte cruzada do espinocerebelar anterior (este, no entanto, não possui efeitos patológicos significativos, por possuir um ramo homolateral, que carrega também as informações de propriocepção inconsciente).


É importante ressaltar, no entanto, que os sintomas diferem levemente no nível da lesão e abaixo da região lesionada. Isso ocorre, pois na altura da hemissecção, alguns tratos que cruzariam o plano mediano são acometidos antes de realizar o cruzamento, fazendo com que os sintomas decorrentes dessas secções apareçam ipsilateralmente e não no lado oposto, como ocorre abaixo da lesão.


Figura 3 – Representação esquemática dos sintomas da síndrome de Brown-Séquard: (1) no nível da lesão, paralisia flácida e anestesia completa; (2) ipsilateralmente, paralisia espástica e perda da propriocepção consciente, tato epicrítico e sensações vibratórias; (3) contralateralmente, perda da sensibilidade de dor, temperatura, pressão e tato protopático. Disponível em:

<https://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%ADndrome_de_Brown-S%C3%A9quard>




Dessa forma, um dos sinais clínicos notados inferiormente à região lesionada é a paralisia espástica ipsilateral, decorrente da síndrome do neurônio motor superior, com aparecimento do sinal de Babinski. Além disso, do mesmo lado da lesão, há perda da propriocepção consciente e da sensibilidade epicrítica. No lado contralateral, observa-se perda da sensibilidade térmica e dolorosa e prejuízo na sensação de pressão e tato protopático. É possível constatar, no lado homolateral à lesão, uma leve ataxia, decorrente da lesão do trato espinocerebelar posterior e parte do anterior. Entretanto, esse sintoma é, de certo modo, camuflado pela hemiplegia causada pela secção do trato corticoespinhal lateral (4).


Não obstante, nota-se, no nível da região lesionada, uma anestesia cutânea completa ipsilateral, resultante da interrupção do trato espinotalâmico (antes de cruzar) e dos fascículos grácil e cuneiforme. Ademais, a lesão do trato corticoespinhal acomete os neurônios inferiores, os quais carregam as informações motoras da medula para os efetores. Nesse caso, ocorre a síndrome do neurônio inferior, que leva à paralisia flácida (4).

Além das secções das vias aferentes e eferentes que descrevem os sintomas supracitados, cabe mencionar que lesões cervicais podem causar a interrupção de nervos simpáticos. As fibras pré-ganglionares simpáticas relacionadas com a inervação da pupila situam-se na região torácica alta da medula (T1 e T2) e ascendem no tronco simpático para fazer sinapse com as fibras pós-ganglionares (no gânglio cervical superior). Estas seguem pelo nervo e pelo plexo carotídeo para inervar o músculo dilatador da pupila. Quando há uma hemissecção na região cervical, essas fibras podem ser lesionadas, levando à miose homolateral (constrição da pupila por ação parassimpática, sem compensação simpática).

Essa manifestação clínica caracteriza a denominada síndrome de Horner, cujos outros sinais são: a ptose palpebral (queda da pálpebra), consequente da paralisia do músculo tarsal, a hiperemia cutânea (resultante da vasodilatação regional) e a anidrose (deficiência de sudorese) (1)(3).


Causas


As principais causas da síndrome de Brown-Séquard são os traumas medulares, decorrentes de lesões perfurantes ou fraturas espinhais. Com menor frequência, observa-se que a síndrome ocorre como consequência de tumores vertebrais, hérnias de disco, patologias infecciosas ou inflamatórias, hemorragias (p. ex., hematomas sub ou epidurais) ou doenças degenerativas (2). Além disso, de acordo com o Advanced Trauma Life Support (ATLS), constata-se que cerca de 55% das lesões traumáticas da coluna ocorrem na porção cervical (8).


Diagnóstico


O diagnóstico da síndrome de Brown-Séquard se dá principalmente por análise clínica, tendo como base o histórico médico e o exame físico do paciente (testes neurológicos). A investigação dos sintomas e o entendimento da anatomia dos tratos medulares é de extrema importância, pois direcionam significativamente o diagnóstico do paciente. Ademais, exames de imagem (radiografia, ressonância magnética ou tomografia) podem ser utilizados para confirmar as hipóteses diagnósticas e identificar a localização e a extensão da lesão. Vale ressaltar, ainda, que somente uma pequena parte dos casos da referida síndrome se dá por uma hemissecção completa da medula, enquanto a maioria decorre de uma lesão incompleta da metade direita ou esquerda da medula, em que apenas alguns dos sintomas descritos se manifestam, qualificando tais casos como síndrome de Brown-Séquard incompleta (5).


Tratamento


O tratamento é direcionado tanto à patologia quanto à causa da síndrome, podendo ser realizadas desde cirurgias até o uso de anti-inflamatórios para redução de edemas. Após o tratamento médico, fisioterapia pode ser utilizada como forma de reabilitação do paciente. Ademais, a intervenção cirúrgica e o plano de reabilitação feitos precocemente podem auxiliar numa mais eficaz recuperação do paciente (2).


Referências

  1. MACHADO, Ângelo; HAERTEL, Lucia Machado. Neuroanatomia Funcional: 3. Ed. São Paulo: Editora Atheneu, 2014.

  2. ALVES, Jorge Miguel Silva Ribeiro Olliveira et al. Síndrome de Brown-Séquard por hérnia discal cervical a duplo nível: caso clínico e revisão da literatura. Coluna/Columna, São Paulo, v. 11, n. 3, p. 245-246, Sep. 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-18512012000300014&lng=en&nrm=iso>.

  3. DIAS, Ana Flavia Moura; BENEVIDES, Pedro C.; FALEIRO, Rodrigo Moreira; REIS, Marco Túlio. Síndrome de Brown-Séquard em associação à síndrome de Horner. Revista Médica de Minas Gerais (RMMG), Belo Horizonte, Nov. 2017. Disponível em: <http://rmmg.org/artigo/detalhes/2335>

  4. EPOMEDICINE. Brown-Sequard Syndrome – Anatomical Basis. Jul. 2016. Disponível em: <https://epomedicine.com/medical-students/brown-sequard-syndrome-anatomical-basis/>.

  5. SHAMS, Saadia; ARAIN, Abdul. Brown Sequard Syndrome. [Updated 2020 Sep 14]. StatPearls. Jan. 2020. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK538135/>

  6. BLOG JALEKO. Hemissecção medular: desvendando a síndrome de Brown-Séquard. Disponível em: <https://blog.jaleko.com.br/hemisseccao-medular-desvendando-a-sindrome-de-brown-sequard/>

  7. SÍNDROME DE BROWN-SÉQUARD. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2019. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=S%C3%ADndrome_de_Brown-S%C3%A9quard&oldid=56551126>.

  8. Colégio Americano de Cirurgiões. Trauma Vertebromedular. Suporte Avançado de Vida no Trauma (ATLS®). 8 Ed. Chicago: Colégio Americano de Cirurgiões; 2009.

  9. SUSHIL, Dawka. Charles-Édouard Brown-Séquard: A bicentennial tribute. Internet Journal of Medical Update. Mai. 2017. Disponível em: <https://dx.doi.org/10.4314/ijmu.v12i1.1>



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Mike Brown
Mike Brown
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