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Síndrome Compartimental Aguda

Por Sarah Naomi Nagata, acadêmica de medicina da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG


Introdução

A Síndrome Compartimental Aguda é uma das principais e únicas emergências cirúrgicas ortopédicas, sendo de extrema importância. Essa síndrome consiste no aumento da pressão intracompartimental em algum compartimento osteofascial, reduzindo ou impedindo a circulação sanguínea, o que pode gerar danos teciduais e neurovasculares irreversíveis. A evolução dessa síndrome ocorre de forma muito rápida, o que tona o seu diagnóstico precoce primordial. A intervenção ocorre por meio de fasciotomia de urgência. Sendo assim, a discussão sobre Síndrome Compartimental Aguda é bastante relevante no cenário clinico e cirúrgico (1).

Para ilustrar, foi selecionado um relato de caso, em que um atleta de futebol apresentou Síndrome Compartimental Aguda na perna, não traumática, induzida pelo exercício físico, sendo um caso raro.


Relato de Caso


Paciente do sexo masculino, 16 anos, atleta de futebol, sem comorbidades ou história prévia de trauma, apresentou dor na perna esquerda anterolateral 3 horas após treino intenso de 90 minutos de duração. Não apresentava sinais neurovasculares associados e foi medicado com analgésicos e crioterapia. Após 9 horas desde o treino, o paciente apresentou piora na dor, com edema e dor para mobilização da musculatura extrínseca do pé e do tornozelo. No dia posterior, o atleta apresentou piora rápida do quadro, com início de déficit motor no território do nervo fibular comum e parestesia em região dorso lateral do pé.

Ao exame físico, apresentava edema no compartimento anterolateral da perna, reduzida sensibilidade do primeiro espaço interdigital do pé esquerdo, redução de força em tibial anterior, extensor longo dos dedos e hálux. Além disso, observou-se também perfusão capilar menor do que 3 segundos. No serviço em que foi atendido inicialmente, não havia a disponibilidade de métodos de avaliação pressórico intracompartimental, fator que ajudaria no diagnóstico. Foi solicitado exame de ressonância magnética de urgência e diagnóstico de síndrome compartimental aguda não traumática, sendo imediatamente encaminhado para cirurgia de urgência.

Após a realização da fasciotomia minimamente invasiva segmentar anterolateral da perna esquerda, paciente apresentou melhora imediata da dor e boa evolução clínica, sem déficits sensitivos ou motores (3).


O caso relatado consiste em um diagnóstico de Síndrome Compartimental Aguda não traumática após atividade física, sendo uma entidade clínica rara, na qual houve aumenta da pressão intracompartimental secundária ao exercício físico intenso sem trauma associado. No paciente em questão, o diagnóstico realizado de forma precoce foi fundamental para que ele não apresentasse sequelas motoras, sensitivas ou teciduais. Uma vez que esse diagnóstico é raro na clínica, muitos ocorrem tardiamente, apresentando danos irreversíveis e até morbidade. Portanto, é fundamental que ortopedistas e médicos associados ao esporte estejam atentos a sinais e sintomas que possam indicar a síndrome compartimental aguda.

Síndrome Compartimental Aguda


A Síndrome Compartimental Aguda (ACS) é uma das poucas emergências cirúrgicas na ortopedia e traumatologia. Ela ocorre mediante um aumento da pressão intersticial em algum compartimento osteofascial, que impede a circulação local, causando uma dor intensa e súbita. Geralmente, ocorre principalmente nas pernas, mas também pode ocorre em braços, mãos, pés e nádegas. Ocorre principalmente após lesões graves, como fraturas ou esmagamentos, mas também pode ocorrer por lesões relativamente menores (1).

Estudos mostram que a Síndrome Compartimental Aguda afeta mais homens do que mulheres em 10 vezes e em idades mais jovens do que o sexo feminino. Assim, os casos mais frequentes dessa síndrome são de homens jovens (por volta de 35 anos), envolvidos em acidentes traumáticos de alta energia, normalmente, com fratura na tíbia (1).

Existem vários fatores que podem provocar a síndrome, dentre eles, fraturas expostas e fraturas fechadas, tecido sem fraturas ou lesões vasculares, rabdomiólise - com o início da necrose tecidual, o processo inflamatório que se instala provoca aumento da pressão local, exacerbada pela tentativa de reperfusão, causando edema tecidual - , lesões vasculares - principalmente a artéria poplítea- , entre outros.

Estudos apontam que a Síndrome Compartimental Aguda ocorre devido à diminuição do gradiente entre a circulação arterial de alta pressão e a circulação venosa de baixa pressão, o que gera uma redução em ambas as circulações. Essa redução da drenagem venosa leva a um extravasamento de fluido para o terceiro compartimento, que causa edema e aumenta a pressão local (2). A partir disso, há um colapso na circulação linfática e arterial, gerando isquemia e posteriormente necrose irreversível. O comprometimento dos nervos locais geram sinais como parestesia. Além disso, esse ciclo de redução do suprimento sanguíneo ocorre de forma muito rápida e, uma vez iniciado, leva aproximadamente 30 minutos para o estabelecimento da isquemia e até 12 horas para os danos serem irreversíveis.

Dessa forma, nota-se que o quadro se caracteriza como uma emergência cirúrgica pelo seu grau de gravidade e rápida evolução, podendo haver danificação permanente do tecido local, necrose e incapacitação do tecido de forma irreversível. Dessa forma, a pressão local deve ser aliviada o mais rápido e o quanto antes possível, o que torna seu diagnóstico precoce de extrema valia.

Entretanto, o diagnóstico de Síndrome Compartimental Aguda é muito difícil na prática clínica, por apresentar diferentes critérios. Geralmente, ele é realizado pelo exame físico e repetidas medições na pressão intracompartimental - pressões compartimentais acima de 30mmHg da pressão diastólica sanguínea são altamente indicadores da síndrome. Além disso, fatores de risco para ACS, especialmente politraumatismo e pacientes comatosos, podem ajudar no raciocínio clínico. Sinais como formigamento, dormência e parestesia indicam estágios iniciais da síndrome, enquanto que dor muito intensa, não aliviada por analgésicos e morfina, que piora com o estiramento, indicam estágios mais avançados da síndrome (1).

É importante ressaltar que a ausência de pulso não é um critério para diagnóstico, visto que pode haver pulso periférico dependendo do compartimento acometido e o quão elevada a pressão se encontra.

Por fim, uma vez diagnosticada a síndrome, a cirurgia de emergência deve ocorrer imediatamente, sendo ela uma fasciotomia, a fim de descomprimir o compartimento (1).

Anatomia da Perna


A perna apresenta os ossos tíbia e fíbula, que unem o joelho ao tornozelo, e três compartimentos fasciais , sendo eles: compartimento anterior, lateral e posterior, formados pelos septos intermusculares e a membrana óssea (4).

O compartimento anterior da perna é composto por um grupo de músculos, cuja função principal é extensão do tornozelo. São eles: músculo tibial anterior, músculo extensor longo dos dedos, músculo extensor longo do hálux e músculo fibular terceiro. Esse compartimento é inervado pelo nervo fibular profundo e irrigado pela artéria tibial anterior.

Já o compartimento lateral é composto por dois músculos, sendo eles o músculo fibular longo e o fibular curto, responsáveis por eversão do pé. São inervados pelo nervo fibular superficial e parte da sua irrigação é feita pela artéria tibial posterior e a outra parte por ramos perfurantes da artéria tibial posterior.

Por fim, o compartimento posterior, o maior dos compartimentos, é divido em camada superficial e profunda. A camada superficial do compartimento posterior é composta pelos músculos gastrocnêmio, sóleo e plantar, responsáveis pela flexão do tornozelo. Enquanto que a camada profunda é composta pelos músculos poplíteo, flexor longo do hálux, flexor longo dos dedos e tibial posterior, que apresentam ação principal de flexão plantar.

É importante salientar a passagem de vasos e nervos importantes na perna, como o nervo safeno, que segue com os vasos femorais e depois com a veia safena magna na face medial. Ademais, o nervo sural segue seu trajeto acompanhado da veia safena parva nas faces posterior e lateral da perna (4,5).



Figura 1 - Músculos dos compartimentos anterior e lateral da perna. Retirada de: Moore, K. L.; Daley II, A. F. Anatomia orientada para a clínica. 7ª.edição. Guanabara Koogan. Rio de Janeiro, 2014.



Figura 2 - A-E Músculos superficiais (panturrilha) do compartimento posterior da perna. F-K Músculos profundos do compartimento posterior da perna. Retirada de: Moore, K. L.; Daley II, A. F. Anatomia orientada para a clínica. 7ª.edição. Guanabara Koogan. Rio de Janeiro, 2014.


Abordagem Cirúrgica


A abordagem cirúrgica de urgência performada é uma fasciotomia. Esse procedimento é indicado para pacientes normotensos, com achados clínicos positivos para Síndrome Compartimental Aguda e pressão intracompartimental acima de 30mmHg. É importante ressaltar que tal procedimento não é indicado para pacientes com sinais evidentes da síndrome por mais de 48 horas e sem evidências de que há ainda funções em vigor no compartimento acometido.

A fasciotomia descompressiva é realizada em uma sala de operação cirúrgica apropriada, com anestesia geral ou regional. Ela se inicia por uma larga incisão que seja suficiente para descomprimir o compartimento acometido. Em seguida, são realizados acessos para a liberação total da fáscia. É necessário que haja liberação fascial do compartimental em, no mínimo, 90% para o adequado retorno da pressão intracompartimental em níveis basais.

A recuperação pós-operatória e o tempo de cicatrização ocorre em aproximadamente entre 7 e 14 dias. Algumas complicações como infecção e cicatrização prolongada podem retardar o retorno à atividade físicas e a recuperação em si.



Figura 3 - Fasciotomia descompressiva minimamente invasiva. Retirada de: Baumfeld D, Pereira A, Lage C, Miura G, Gomes Y, Nery C. Síndrome Compartimental aguda não traumática em atleta de futebol tratada por fasciotomia descompressões segmental: relato de caso. Revista brasileira de ortopedia RBO, 2018. 53(2):244-247.



Figura 4 - Fasciotomia descompressiva. Retirada de: Via A, Oliva F, Spoliti M, Maffulli N. Acute Compartment syndrome. Muscle, Ligament and Tendons Journal, 2015. PMID 25878982.


Referências

1. Via A, Oliva F, Spoliti M, Maffulli N. Acute Compartment syndrome. Muscle, Ligament and Tendons Journal, 2015. PMID 25878982.


2. Du W, Hu X, Shen Y, Teng X. Surgical management of acute compartment syndrome and sequential complications. BMC Musculoskeletal Disorders, 2019. PMID 30832634.


3. Baumfeld D, Pereira A, Lage C, Miura G, Gomes Y, Nery C. Síndrome Compartimental aguda não traumática em atleta de futebol tratada por fasciotomia descompressões segmental: relato de caso. Revista brasileira de ortopedia RBO, 2018. 53(2):244-247


4. Moore, K. L.; Daley II, A. F. Anatomia orientada para a clínica. 7ª.edição. Guanabara Koogan. Rio de Janeiro, 2014


5. NETTER, Frank H.. Atlas de Anatomia Humana. 6ed. Porto Alegre: Artmed, 2014


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