Por Gabriel Cançado de Morais Ribeiro
Introdução
A Síndrome de Wilkie – também denominada Síndrome da Artéria Mesentérica Superior (SAMS) –, foi descrita pela primeira vez em 1861 pelo médico patologista Carl von Rokitansky, que a identificou por meio das diversas autópsias que realizava; tal doença só foi batizada em 1927, quando D. Wilkie publicou a primeira série de casos sobre o assunto. Esta patologia é rara, havendo cerca de 500 casos descritos na literatura, sendo mais comum no sexo feminino (2F:1M); caracteriza-se pela obstrução parcial ou completa da terceira porção do duodeno pela artéria mesentérica superior (AMS), podendo ser observada uma diminuição considerável do ângulo aorto-mesentérico, que reduz para valores que oscilam entre 6-25° (sendo os valores normais entre 38-56°), diminuindo a distância entre a AMS e a aorta para valores entre 2-8mm (sendo o normal 10-20mm).
Tabela 1 - Estudo comparativo com arteriografia de populações de pacientes com e sem síndrome de Wilkie.
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*Distância entre AMS e aorta no cruzamento com o duodeno (em milímetros)
Fonte: ZORRÓN et al. 2003
A causa mais frequente para tal obstrução é uma perda ponderal significativa, que pode ser ocasionada por patologias médicas, intervenções cirúrgicas ou por fatores psicológicos, como distúrbios alimentares. O que ocorre é que as gorduras retroperitoneal e peri mesentérica – responsáveis por manter a raiz do mesentério e a AMS afastadas da aorta –, sofrem uma significativa redução, diminuindo o ângulo formado entre estas duas artérias. Outras causas possíveis são variações anatômicas congênitas ou adquiridas e aneurismas de aorta abdominal.
Figura 1 - TC de abdome evidenciando ângulo aórtico-mesentérico de 15º.
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Fonte: CESCONETTO et al. 2012
A sintomatologia apresentada é, no geral, variada e inespecífica, mas os pacientes apresentam com maior frequência: crises pós-prandiais de dor abdominal e vômitos, sensação de enfartamento pós-prandial, distensão abdominal, náuseas, saciedade precoce e interrupção da eliminação de gases e fezes.
Diagnóstico
Devido à variedade e inespecificidade dos sintomas, além da raridade da patologia, o diagnóstico para Síndrome de Wilkie exige um alto índice de suspeição por parte da equipe médica. Ao exame físico, o paciente pode apresentar desnutrição e hipohidratação (devido à perda ponderal, que causa um desequilíbrio hidroeletrolítico), além de abdome distendido e sinal de vascolejo positivo. Para confirmação da hipótese diagnóstica faz-se necessária a realização de um raio-x contrastado de esôfago-estômago e duodeno-EED, que irá evidenciar uma dilatação gástrica com retenção de contraste e uma dilatação duodenal com retenção de contraste na terceira porção do duodeno, caso o diagnóstico esteja correto.
Figura 2 - Estudo contrastado. Dilatação gástrica com retenção de contraste.
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Fonte: LIMA et al. 2000
Figura 3 - Estudo de contraste. Dilatação duodenal com retenção de contraste na terceira porção.
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Fonte: LIMA et al. 2000
Outro exame bastante utilizado é a tomografia computadorizada (TC) abdomino-pélvica, que irá evidenciar – caso a suspeita de SAMS seja confirmada – uma distensão gástrica e duodenal até a terceira porção do duodeno, que estará sofrendo um pinçamento aorto-mesentérico. Há, ainda, exames mais invasivos, como arteriografia e angioressonância, mas estes só estão indicados quando as radiografias contrastadas não forem suficientes para a realização do diagnóstico.
Figura 4 - TC abdomino-pélvico. Revela distensão duodenal proximal (Duodeno) e compressão da terceira porção duodenal por diminuição da distância entre a aorta (Ao) e a artéria mesentérica superior (AMS).
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Fonte: SILVA et al. 2015
Tratamento
Confirmado o diagnóstico, a primeira abordagem deve ser constituída por um tratamento conservador, principalmente nos casos em que o paciente apresenta sintomatologia moderada, pouco tempo de evolução e obstrução duodenal incompleta. Tal abordagem consiste no fracionamento da dieta, correção das alterações hidroeletrolíticas, nutrição enteral via sonda nasoentérica e realização de manobras posicionais no período pós-prandial (decúbito lateral esquerdo, posição genupeitoral e flexão anterior do tronco), esta última visando um aumento do ângulo aorto-mesentérico. Caso a condição do paciente seja grave, refratária, ou o tratamento conservador não tenha se mostrado eficaz, o tratamento cirúrgico passa a ser recomendado.
Introduzida em 1910 por Starley, a anastomose duodenojejunal – denominada duodenojejunostomia –, é a técnica de eleição na abordagem cirúrgica para correção da Síndrome de Wilkie, apresentando um índice de sucesso de 90%; tal técnica consegue estabelecer a continuidade intestinal e evitar a Síndrome da Alça Cega, sendo realizada preferencialmente via laparoscopia. Outras duas técnicas também podem ser utilizadas: a operação de Strong, mais utilizada em crianças e adolescentes, porém com um menor índice de sucesso (cerca de 75%), e a anastomose gastrojejunal – denominada gastrojejunostomia –, que confere maior risco de aparecimento de úlceras pépticas. A primeira é um procedimento simples e pouco invasivo, e consiste na secção do Ligamento de Treitz, visando baixar e mobilizar o duodeno para que este não seja comprimido; já a segunda permite a descompressão gástrica, mas não resolve a obstrução do duodeno, favorecendo a Síndrome da Alça Cega e a ulceração péptica.
Conclusão
A Síndrome de Wilkie é uma condição rara de obstrução duodenal que provoca sintomas variados e inespecíficos e, por isso, seu diagnóstico clínico necessita de um elevado índice de suspeição por parte da equipe médica. Para confirmar a hipótese diagnóstica, a utilização de exames contrastados e TC abdomino-pélvica é recomendada; caso estes não sejam suficientes, exames mais invasivos como arteriografia e angioressonância podem ser solicitados. A principal causa de SAMS é a perda ponderal significativa, que pode ser causada por diversos fatores. O tratamento de eleição para a patologia em questão é a duodenojejunostomia, havendo, ainda, duas outras técnicas passíveis de utilização: a operação de Strong e a gastrojejunostomia.
Referências Bibliográficas
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2. KEFELI, Ayşe et al. SÍNDROME DE WILKIE: CAUSA RARA DE OBSTRUÇÃO INTESTINAL. ABCD. Arquivos Brasileiros de Cirurgia Digestiva , São Paulo, v. 29, n. 1, p. ?, 19 nov. 2015. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/0102-6720201600010020. Acesso em: 21 ago. 2019;
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4. SILVA, Elsa et al. Síndrome de Wilkie – a propósito de um caso clínico: Wilkie´s syndrome – a case report. Revista Portuguesa de Cirurgia, [S. l.], p. 25-28, 21 abr. 2016. Disponível em: http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1646-69182016000300005. Acesso em: 21 ago. 2019;
5. ZORRÓN, Ricardo et al. Reparo Laparoscópico de Síndrome de Artéria Mesentérica Superior Técnica de Duonenojejunostomia em Sutura Contínua: Laparoscopic repair of Superior Mesenteric Artery Syndrome: Sutured Handsewn Duodenojejunostomy Technique. Revista Brasileira de Videocirurgia, Rio de Janeiro, v. 1, n. 3, p. ?, 20 ago. 2003. Disponível em: https://www.sobracil.org.br/revista/rv010103/artigo01.htm. Acesso em: 17 ago. 2019.
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