Carolina Carvalho Tolentino, acadêmica de medicina da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais - FCMMG
A tendinopatia patelar (TP) é uma afecção que acomete frequentemente atletas praticantes de atividades que envolvam salto, força, impacto e sobrecarga excêntrica em flexão do joelho. Ela foi descrita inicialmente como “Jumper’s Knee” (joelho do saltador) por Blazina et al.(1), e tem ainda sinonímias relacionadas à prática esportiva do indivíduo, como: “high-jumper’s knee”, “volley-baller’s knee” e “cross-country knee” (2,3). Seus aspectos clínicos são caracterizados principalmente por dor anterior do joelho e por limitação da extensão ativa do joelho, de modo a impactar consideravelmente não só a performance esportiva, mas também as atividades laborais do indivíduo. Assim, muitos atletas são forçados a reduzir significativamente seus treinos e suas competições por longos períodos de tempo, o que tem grande impacto em sua performance. Alguns atletas são de tal maneira afetados que precisam parar de exercer as atividades esportivas, resultando em uma aposentadoria prematura (4,5).
A classificação da tendinopatia patelar geralmente é feita em quatro estágios progressivos: o estágio I é caracterizado por dor nas regiões infra ou suprapatelar após a prática de exercício; o estágio 2 é marcado por dor no início da atividade, que desaparece após o aquecimento e reaparece com fadiga e após o término da prática; no estágio 3, a dor se mantém durante e após atividade e o paciente não é capaz de participar dos esportes; e, por fim, no estágio 4, há a ruptura total do tendão (6). O tratamento cirúrgico pode ser indicado de acordo com essa classificação, de modo que, após falha do tratamento conservador (estágios I-III), ou em casos de ruptura do tendão (estágio IV), a cirurgia passe a ser indicada (4).
Anatomia do aparelho extensor do joelho
O músculo quadríceps femoral é o grande extensor da perna e representa o principal volume dos músculos anteriores da coxa. Ele é composto de quatro partes: músculo reto femoral, músculo vasto lateral, músculo vasto intermédio e músculo vasto medial, cujos tendões se unem na parte distal da coxa para formar o tendão patelar. Este se insere na base da patela e sua continuação é denominada ligamento da patela, a qual se insere na tuberosidade da tíbia. O quadríceps femoral é responsável pela absorção do choque do impacto do calcanhar durante a marcha e sua atividade continua à medida que sustenta o peso no início da fase de marcha de resposta à carga. Também atua na maior parte do tempo como fixador durante esportes que exigem flexão do joelho e contrai-se excentricamente durante a marcha em declive e ao descer escadas. A patela tem uma superfície óssea capaz de resistir à compressão do tendão do músculo quadríceps femoral quando a pessoa se ajoelha e ao atrito que ocorre quando o joelho é fletido e estendido durante a corrida (7).
No que diz respeito às regiões anatômicas acometidas pela TP, sabe-se que ela é mais frequente no polo inferior da patela (70%), seguido do polo superior (25%) e por último da inserção distal do tendão (5%) (8).
Figura 1 - Joelho direito em extensão. Disponível em: https://www.anatomia-papel-e-caneta.com/ossos-e-articulacoes-do-joelho/.
Etiologia
A tendinopatia patelar é uma condição multifatorial que envolve fatores extrínsecos e intrínsecos, os quais, ao serem associados, geram pequenas lesões no tendão que contribuem para o aumento da produção de colágeno e de matriz. Este é um processo lento que, ao se associar a atividades de tensão, compressão e fricção que excedem as capacidades regenerativas do corpo, acaba por culminar em um ciclo de pequenas lesões não seguidas de reparo desejado, de modo a contribuir para a degeneração do tendão (2).
Os fatores intrínsecos associados à TP incluem índice de massa corporal elevado, maior comprimento de tíbia em relação à estatura, falta de flexibilidade do quadríceps da coxa, força muscular e ângulo Q anormalmente alto, os quais alteram a biomecânica do membro inferior e agravam o estresse sobre o tendão patelar. Amplitude reduzida da dorsiflexão do tornozelo e pé pronado também são fatores intrínsecos associados, pois alteram a capacidade do indivíduo de dissipar as forças para a extremidade inferior do corpo, fazendo com que o tendão patelar tenha de suportar maiores cargas. Já no que diz respeito aos fatores extrínsecos, sabe-se que esforço repetitivo com sobrecarga, maior frequência e intensidade de treinos e competições, maior rigidez da superfície de apoio e erros de treinamento contribuem para o aumento do risco de desenvolvimento do “joelho de saltador”.
Figura 2 - Representação das diferentes formas de aterrissagem de um salto. Risco aumentado para tendinopatia patelar na imagem da direita do observador, na qual é possível visualizar uma aterrissagem brusca, sem amortecimento. Disponível em: https://www.semanticscholar.org/paper/Jumper's-Knee-in-Volleyball-Athletes%3A-Advancements-Hyman/1d5fcaaa8a775f597e0ec23b3b577b42e34fa0ab.
Diagnóstico
O diagnóstico da tendinopatia patelar é essencialmente clínico, caracterizado por dor anterior do joelho bem localizada, que pode ser avaliada pela palpação do polo inferior da patela. Apesar disso, exames complementares, como radiografia, ultrassonografia (US) e ressonância magnética (RM) auxiliam no diagnóstico, sendo a US e a RM os mais indicados. A radiografia evidencia a morfologia do polo inferior da patela e pode mostrar calcificações no tendão, enquanto a ultrassonografia e a ressonância magnética revelam espessamento focal e regiões hipoecoicas do tendão patelar (2,3,8). É importante ressaltar, porém, que embora o diagnóstico clínico seja frequentemente confirmado por anormalidades morfológicas nos exames de imagem, ainda existem indivíduos com quadro clínico de TP que têm resultados de imagens aparentemente saudáveis/normais, e também indivíduos que não apresentam sintomas clínicos, mas apresentam alterações em seus exames (2,3).
Figura 3 - Teste de palpação do polo inferior da patela. Disponível em: http://rbo.org.br/detalhes/45/pt-BR.
Figura 4 - Radiografia mostrando patela com bico em seu polo inferior (patela bicuda). Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-36162015000500550&lng=pt&nrm=iso.
Figura 5 - Ressonância magnética demonstrando edema, espessamento e ruptura parcial do tendão patelar na área de impacto do tendão com o polo inferior da patela. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-36162015000500550&lng=pt&nrm=iso.
Alguns escores, como o “Victorian Institute of Sport Assessment Questionanaire, Patellar Tendon” (VISA-P), também podem ser utilizadas para o auxílio do diagnóstico. O questionário consiste de oito questões, das quais seis estão relacionadas à dor no tendão patelar durante a realização de atividades físicas, e duas estão relacionadas ao nível de performance esportiva do indivíduo. Cada uma das questões pode ser graduada de forma diferente, de modo que resultados abaixo de 80 geralmente são indicativos de TP (9).
A Síndrome da dor patelofemoral e a inflamação na gordura de Hoffa são os principais diagnósticos diferenciais da tendinopatia patelar (2).
Tratamento
As modalidades de tratamento da tendinopatia patelar incluem fisioterapia, ultrassom de baixa frequência, crioterapia, terapia com ondas de choque, injeções com plasma rico em plaquetas e até mesmo abordagens cirúrgicas. As injeções de corticoesteroides também podem ser usadas, mas muitos autores apresentam opiniões divergentes quanto a sua eficácia (8). A fisioterapia é uma forma de tratamento bastante utilizada, sendo que os protocolos de exercício excêntrico são o padrão comumente adotado. Ela apresenta boas evidências e pode ser usada como tratamento inicial da TP, assim como o tratamento por injeção de plasma rico em plaquetas. Cirurgia (seja ela aberta ou artroscópica) e tratamento por ondas de choque são linhas secundárias de tratamento, geralmente indicadas para pacientes que não tenham apresentado melhora com o tratamento conservador. Evidências sugerem que a curva de melhora decai significativamente após seis meses, motivo pelo qual é recomendado que o paciente espere no mínimo seis meses, após o início do tratamento conservador, para realizar a cirurgia (10).
O tratamento cirúrgico consiste no debridamento do tecido degenerado com cortes longitudinais do tendão e abrasão do polo inferior da patela. Ele pode ser feito conforme a técnica aberta, inicialmente descrita por Blazina et al. (1), ou por via artroscópica (8). A escolha da técnica utilizada deve ser feita baseada na preferência do cirurgião e no tempo de expectativa de melhora apresentado pelo paciente. A artroscopia, por ser segura e minimamente invasiva, apresenta resultados clínicos excelentes, com uma alta taxa de satisfação, apresentando um período curto de recuperação, de modo a possibilitar um retorno mais rápido aos esportes (11).
Para aqueles pacientes que não apresentam melhoras com o tratamento conservador, no entanto negam a cirurgia ou não são candidatos a ela, o tratamento por ondas de choque pode ser realizado (10)
Técnica cirúrgica aberta com acesso longitudinal anterior
O paciente deve ser posicionado em decúbito dorsal, com o membro inferior pendente ao lado da mesa operatória, de modo que o joelho fique fletido em 90 graus durante a operação. É posicionado um torniquete na porção proximal da coxa, a fim de prevenir sangramento em excesso. Patela, tendão patelar e tuberosidade tibial são marcados sobre a pele do paciente. Após o cumprimento dessas etapas iniciais, é feita uma incisão na parte anterior do joelho, ao longo da borda medial do tendão patelar, estendendo-se de 2 cm acima do polo distal da patela até um ponto exatamente medial na tuberosidade da tíbia. Em seguida, o paratendão é dissecado lateral e medialmente e as bordas proximal e distal do tendão patelar são identificadas e marcadas com uma caneta cirúrgica. A área do tendão a ser extraída também é delimitada e a partir da marcação é feita uma incisão ao longo do tendão patelar. A parte distal da patela na qual o tendão patelar se insere também é removida juntamente com o tecido acometido, utilizando-se de uma serra cirúrgica. Uma pinça cirúrgica é utilizada para fazer a limpeza da região e permitir que o tecido saudável fique em contato com a parte remanescente da patela. O espaço criado no tendão é mantido aberto, e o paratendão previamente dissecado é fechado. O tecido subcutâneo e a pele são fechados e o procedimento é concluído (4).
Figura 6 - Aspecto final da cirurgia no joelho direito. (A) Tecido saudável após a remoção das áreas afetadas. (B) Sutura do paratendão. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2212628719301537.
Vídeo de demonstração do procedimento: https://m.youtube.com/watch?v=FdVIfxrR9ks.
Artroscopia
O paciente deve ser posicionado em decúbito dorsal e um suporte de coxa é utilizado para apoiar o membro inferior. Um torniquete não-estéril é utilizado. Inicialmente, é feita uma artroscopia diagnóstica por meio de um portal anterolateral, a fim de identificar possíveis lesões associadas à articulação do joelho. A artroscopia é, então, direcionada para o polo inferior da patela, estabelecendo-se um portal anteromedial acessório abaixo da patela, em relação com o tendão patelar. Após o estabelecimento do portal acessório, o debridamento e a ressecção parcial do tecido lesado são realizados e as fibras principais do tendão patelar são preservadas.
Em alguns casos, a ressecção parcial da gordura de Hoffa e uma ressecção cautelosa das fibras posteriores do tendão patelar podem ser necessárias. Esse debridamento dos tecidos moles ao lado do polo inferior da patela pode ser suficiente para alguns pacientes, porém naqueles que apresentam um polo inferior com intensidade aumentada na ressonância magnética ou que apresentam um polo inferior proeminente, a ressecção desse polo também é realizada. Assim, é feita a marcação e a verificação do ápice ósseo do polo inferior da patela por meio de cânulas e agulhas submetidas a uma visão fluoroscópica, a fim de determinar a extensão exata da superfície patelar não-articular. Após a correta identificação do polo inferior e do tendão patelar, a ressecção é realizada. Uma limpeza detalhada da região é realizada e o acesso é, então, fechado (12).
Figura 7 - Visão artroscópica da área de ressecção do polo inferior da patela (X) e do debridamento do tendão patelar (#) por meio de um portal anterolateral. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2212628716301098.
Vídeo de demonstração do procedimento: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5263865/bin/mmc1.mp4.
Considerações finais
No geral, cirurgia deve ser evitada nos pacientes com TP sempre que possível, já que existem evidências clínicas favoráveis de que o tratamento conservador permite um resultado satisfatório. No entanto o tratamento cirúrgico da TP, seja ele aberto ou artroscópico, também apresenta bons resultados, que levam ao alívio da dor e possibilitam o retorno dos pacientes às atividades esportivas (11).
Referências
1. Blazina ME et al. Jumper's knee. Orthop Clin North Am. 1973 Jul;4(3):665-78. PMID: 4783891.
2. COHEN, Moisés et al . Tendinopatia patelar. Rev. bras. ortop., São Paulo , v. 43, n. 8, p. 309-318, Agosto 2008 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-36162008000800001&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 14 set. 2020.
3. AIYEGBUSI, Ayoola; TELLA, Bidemi; OKEKE, Chukwuebuka. Variáveis biomecânicas dos membros inferiores são indicadores do padrão de apresentação da tendinopatia patelar em atletas de elite africanos de basquetebol e voleibol. Rev. bras. ortop., São Paulo, v. 54, n. 5, p. 540-548, out. 2019 . Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-36162019000500540&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 15 set. 2020. Epub 14-Nov-2019. https://doi.org/10.1055/s-0039-1693743.
4. VILLARDI, Alfredo et al. Surgical Technique for Chronic Proximal Patellar Tendinopathy (Jumper's Knee). Arthroscopy Techniques, Rio de Janeiro, v. 8, n. 11, p. 1389-1394, nov. 2019. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6926302/#!po=1.51515>. Acesso em: 14 set. 2020.
5. Lian, O. B., Engebretsen, L., & Bahr, R. Prevalence of jumper's knee among elite athletes from different sports: a cross-sectional study. The American journal of sports medicine, Oslo, v. 33, n. 4, p. 561–567, 2005. Disponível em: <https://doi.org/10.1177/0363546504270454> . Acesso em: 14 set. 2020.
6. ROELS, J et al. Patellar tendinitis (jumper's knee). The American journal of sports medicine, Pellenberg, v. 6, n. 6, p. 362-368. Disponível em: <https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/736196/>. Acesso em: 18 set. 2020.
7. MOORE, Keith L. Anatomia Orientada para a Prática Clínica. 7ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014.
8. CENNI, Marcos Henrique Frauendorf et al . Tendinopatia patelar: resultados tardios do tratamento cirúrgico. Rev. bras. ortop., São Paulo , v. 50, n. 5, p. 550-555, Oct. 2015 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-36162015000500550&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 21 set. 2020. https://doi.org/10.1016/j.rbo.2014.09.004.
9. MENDONÇA, L et al. The Accuracy of the VISA-P Questionnaire, Single-Leg Decline Squat, and Tendon Pain History to Identify Patellar Tendon Abnormalities in Adult Athletes. The Journal of orthopaedic and sports physical therapy, v. 46, n. 8, p. 673-680., 2016. Disponível em:<https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27374017/>. Acesso em: 18 set. 2020.
10. EVERHART, J et al. Treatment Options for Patellar Tendinopathy: A Systematic Review. Arthroscopy : the journal of arthroscopic & related surgery : official publication of the Arthroscopy Association of North America and the International Arthroscopy Association, v. 33, n. 4, p. 861-872, 2017. Disponível em: <https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28110807/#:~:text=Conclusions%3A%20Initial%20treatment%20of%20PT,6%20months%20of%20conservative%20treatment.>. Acesso em: 14 set. 2020. doi:10.1016/j.arthro.2016.11.007
11. LANG, G. et al. Arthroscopic patellar release for treatment of chronic symptomatic patellar tendinopathy: long-term outcome and influential factors in an athletic population. BMC musculoskeletal disorders, v. 18, n. 1, p. 486., nov. 2017. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5700547/>. Acesso em: 14 set. 2020. doi:10.1186/s12891-017-1851-3
12. BROCKMEYER, M et al. Surgical Technique: Jumper's Knee-Arthroscopic Treatment of Chronic Tendinosis of the Patellar Tendon. Arthroscopy techniques, v. 5, n. 6, p. 1419-1424, 2016. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5263865/>. Acesso em: 14 set. 2020. doi:10.1016/j.eats.2016.08.010
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