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Transposição das grandes artérias

William Bruno Silva, acadêmico de medicina do Centro Universitário Belo Horizonte (UniBH) Introdução


A transposição das grandes artérias (TGA) é uma malformação cardíaca cianótica congênita com incidência de 1 para cada 3500 nascidos vivos, correspondendo a 5% das malformações cardíacas congênitas (MARTINS). É caracterizada pela discordância ventriculoarterial, visto que o tronco pulmonar se origina do ventrículo esquerdo morfológico e a artéria aorta, do ventrículo direito morfológico, o que leva à circulação pulmonar e sistêmica paralelas. Em 50% dos casos a discordância ventriculoarterial é o único achado. O grau de cianose depende da existência ou não de defeitos relacionados, como a comunicação interatrial, interventricular ou a persistência do canal arterial, os quais permitem troca entre as circulações. Pode haver cianose tardia devido a obliteração das referidas estruturas no recém-nascido (MOORE; WARNES).

Deve ser distinguida da transposição das grandes artérias congenitamente corrigida (CC-TGA), que não será abordada nessa publicação, cuja incidência é de menos de 1% das malformações cardíacas. Nesta, o ventrículo direito morfológico encontra-se à esquerda e o ventrículo esquerdo morfológico, à direita (MOORE; WARNES).

A presença de outros defeitos congênitos determina o procedimento cirúrgico e o tempo de sua realização. Quanto menor for a comunicação entre as circulações, mais urgente se torna esse processo. Em casos graves de cianose ao nascimento, pode ser necessário a realização de septostomia atrial com utilização de balão para criar ou aumentar a comunicação interatrial até que seja possível realizar a intervenção definitiva (WARENES; MARTINS).


Embriologia


O coração começa a se desenvolver a partir da terceira semana do desenvolvimento. Durante esse período, surgem cristas endocárdicas, as quais são responsáveis por formar as divisões entre as quatro câmaras cardíacas, bem como a separação entre as grandes artérias (SADLER).

As duas cristas do tronco arterial, superior direita e inferior esquerda, crescem em espiral e formam um septo espiralado, conotruncal. Além disso, outras duas cristas crescem a partir do cone arterial e se unem ao septo conotruncal. Dessa maneira, formam-se os canais arterial e pulmonar (SADLER).

Alterações que levem ao desenvolvimento não espiralado das cristas endocárdicas podem causar TGA. Células derivadas da crista neural e do segundo campo cardíaco tem papel crucial nessa formação, logo podem estar envolvidas na etiologia dessa doença (MOORE; SADLER).



Figura 1 – Formação do septo conotruncal. Retirado de SADLER, T. W. Langman embriologia médica. 13ª EDIÇÃO. 2017.







Anatomia


Anatomicamente, a TGA é caracterizada pela artéria aorta com origem no ventrículo direito e, dessa forma, fica anteriorizada e à direita do tronco pulmonar. Além disso, as grandes artérias ascendem paralelas, em contraste com o trajeto oblíquo do troco pulmonar no coração saudável (MARTINS; WARNES).



Figura 2 – Grandes artérias paralelas na base do coração. Retirado de MARTINS, Paula; CASTELA, Eduardo. Transposition of the great arteries. Orphanet journal of rare diseases, v. 3, n. 1, p. 27, 2008.














Fisiopatologia


Podem ocorrer diversos níveis patológicos na TGA, principalmente envolvidos com outras anomalias cardíacas congênitas. Essas anomalias, como o defeito no septo interventricular ou interatrial, contribuem para a sobrevida do recém-nascido devido a troca sanguínea entre a circulação pulmonar e sistêmica (WARNES).

Outra estrutura importante que pode contribuir para o retardo do aparecimento dos sintomas, especialmente a cianose, é a permanência do canal arterial. Essa estrutura permite a troca sanguínea entre a artéria pulmonar esquerda e o arco da artéria aorta. O fechamento futuro dessa estrutura leva ao aparecimento da cianose tardia (WARNES).

Outrossim, a não correção da TGA em períodos iniciais da vida do paciente podem levar a outros problemas cardíacos. A hipertrofia do ventrículo direito, o qual não é adaptado fisiologicamente para suportar a pressão sanguínea sistêmica, e a hipotrofia do ventrículo esquerdo podem levar à insuficiência cardíaca (WARNES).

Os recém-nascidos que apresentam apenas a TGA isolada ou têm defeitos congênitos incapazes de compensar o paralelismo entre as circulações apresentarão cianose ainda no primeiro dia de vida (MARTINS).


Diagnóstico


O diagnóstico tem início com o achado clínico de cianose sugestiva de cardiopatia cianótica congênita, característica comum a outras doenças, como a tetralogia de Fallot (MOORE).

O diagnóstico definitivo é feito através da ecocardiografia. Esse exame de imagem, além de confirmar a patologia, fornece dados morfológicos cruciais para a futura intervenção cirúrgica. O paralelismo entre as grandes artérias, defeitos no septo interventricular ou interatrial são achados importantes (MARTINS).



Figura 3 – Observa-se o tronco pulmonar (PT) se originando do ventrículo esquerdo (LV). Retirado de MARTINS, Paula; CASTELA, Eduardo. Transposition of the great arteries. Orphanet journal of rare diseases, v. 3, n. 1, p. 27, 2008.







Abordagens cirúrgicas


Como já mencionado anteriormente, as abordagens cirúrgicas dependem da morfologia da TGA, bem como da presença de cardiopatias congênitas correlatas (WARNES). Ademais, procedimentos paliativos podem ser realizados antes da cirurgia corretiva a fim de melhorar a troca sanguínea entre as duas circulações. A septostomia interatrial, por exemplo, é recomendada para neonatos cujo septo interatrial está formado ou obliterado, sem existir outra forma de comunicação que possibilite a troca sanguínea. O procedimento realizado é o de Rashkind, com a passagem de um balão pelo forame oval que rompe o septo interatrial (RASKIND; WARNES).


Switch atrial


Os procedimentos de switch atrial são recomendados quando há expressiva comunicação interatrial e o switch arterial não é viável (MARTINS). Consiste em desviar o sangue da circulação sistêmica que chega ao átrio direito para a valva mitral, e o sangue proveniente da circulação pulmonar, para a valva tricúspide, à direita (WARNES). Existem duas técnicas importantes, a de Senning e a de Mustard. A principal diferença entre os procedimentos é o tecido utilizado para fazer o canal de desvio, no primeiro se utiliza tecido autólogo do paciente, o segundo, tecido sintético.

Se o paciente apresentar ainda estenose pulmonar ou qualquer obstrução do trato de saída do ventrículo esquerdo, utiliza-se um tubo valvulado, que conecta o ventrículo esquerdo ao tronco pulmonar para a corerção (MARTINS).

Insuficiência cardíaca é o prognóstico comum em pacientes submetidos a esse tipo de cirurgia, visto que o ventrículo direito morfológico permanece na circulação sistêmica. Outrossim, menos da metade dos pacientes apresentam ritmo sinusal aos vinte anos de idade, sendo necessária a utilização de marcapasso (WARNES).



Figura 4 – Procedimento de switch arterial. Retirado de WARNES, Carole A. Transposition of the great arteries. Circulation, v. 114, n. 24, p. 2699-2709, 2006.



Figura 5 – Tubo valvulado conectando o ventrículo esquerdo ao tronco pulmonar. Retirado de MARTINS, Paula; CASTELA, Eduardo. Transposition of the great arteries. Orphanet journal of rare diseases, v. 3, n. 1, p. 27, 2008.














Switch arterial


O switch arterial consiste na troca das grandes artérias. Foi primeiro descrito pelo Dr. Adib Jatene, por convite do Dr. Euryclides Zerbini, em 1976 (WARNES). A principal dificuldade do procedimento não era a transposição dos vasos, mas sim a transferência das artérias coronárias para a nova aorta, técnica que foi descrita por Jatene (JATENE).

No procedimento de Jatene, as artérias coronárias são retiradas do tronco da aorta com parte de seu tecido, em formato de botão, e são suturadas na base da artéria pulmonar, onde será a nova a. aorta. Por fim, realiza-se a transferência dos grandes vasos para seus locais corretos (JATENE).



Figura 6 – Esquema do procedimento de Jatene. Retirado de JATENE, Adib D. et al. Anatomic correction of transposition of the great vessels. The Journal of Thoracic and Cardiovascular Surgery, v. 72, n. 3, p. 364-370, 1976.


Em situações em que a TGA é acompanhada de grande defeito no septo ventricular e estenose pulmonar, o procedimento mais indicado é o de Rastelli (WARNES). Nesse procedimento, o septo ventricular é reconstituído de forma a direcionar o sangue do ventrículo esquerdo para a artéria aorta, que não é retirada de sua inserção incorreta no ventrículo direito. O óstio do tronco pulmonar é obliterado e é utilizado um tubo valvulado para conectar o ventrículo direito ao tronco pulmonar. A principal desvantagem desse procedimento é a degradação do tubo, que pode necessitar de reintervenção após alguns anos (MARTINS;WARNES).



Figura 7 – Procedimento de Rastelli. Retirado de MARTINS, Paula; CASTELA, Eduardo. Transposition of the great arteries. Orphanet journal of rare diseases, v. 3, n. 1, p. 27, 2008.


Bastante parecido com o procedimento de Rastelli e feito nas mesmas circunstâncias, a cirurgia com a técnica REV se destaca por não utilizar um tubo condutor externo. Nesse método, utiliza-se a manobra de LeCompte para levar o tronco pulmonar para a parte anterior da artéria aorta, a qual é seccionada e em seguida suturada. O tronco pulmonar é, por fim, inserido no ventrículo direito com uma valva monocúspide para impedir o refluxo sanguíneo (LECOMPTE; MARTINS).



Figura 8 – Procedimento REV. Retirado de MARTINS, Paula; CASTELA, Eduardo. Transposition of the great arteries. Orphanet journal of rare diseases, v. 3, n. 1, p. 27, 2008.


Em relação a reoperação, a técnica de REV tem um índice de 10%, enquanto a de Rastelli, 44%. Logo, a utilização do tubo se mostra um grande empecilho em cirurgias cardíacas (MARTINS).


Vídeo recomendado

Procedimento de switch arterial utilizando a técnica de Jatene.

Referências

1. JATENE, Adib D. et al. Anatomic correction of transposition of the great vessels. The Journal of Thoracic and Cardiovascular Surgery, v. 72, n. 3, p. 364-370, 1976.


2. LECOMPTE, Yves et al. Reconstruction of the pulmonary outflow tract without prosthetic conduit. the Journal of thoracic and cardiovascular surgery, v. 84, n. 5, p. 727-733, 1982.


3. MARTINS, Paula; CASTELA, Eduardo. Transposition of the great arteries. Orphanet journal of rare diseases, v. 3, n. 1, p. 27, 2008.



5. RASHKIND, William J.; MILLER, William W. Creation of an atrial septal defect without thoracotomy: a palliative approach to complete transposition of the great arteries. Jama, v. 196, n. 11, p. 991-992, 1966.


6. SADLER, T. W. Langman embriologia médica. 13ª EDIÇÃO. 2017.


7. WARNES, Carole A. Transposition of the great arteries. Circulation, v. 114, n. 24, p. 2699-2709, 2006.

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